[Divulgado no
Fórum de Leitores eletrônico do Estadão de 26 Mai 2012]
Na semana que passou, constatei
que o Estadão, que tenho lido nos últimos 40 anos, deu extensa
cobertura ao assunto Comissão da Verdade. Ao que foi apresentado no editorial
principal, foram agregadas opiniões de um vasta gama de personagens importantes
da intelligentsia brasileira.
Tento
modestamente colocar algumas questões que não foram mencionadas pelas pessoas
notáveis que emprestaram seus talentos para abordar o problema.
Quando se
analisa qualquer país que, em algum momento da história, tenha desempenhado ou
esteja desempenhando o papel de ator global, verifica-se a prevalência de três
condicionantes:
- a ocorrência de trauma social, cultural, político e militar
generalizado, caracterizador de ponto de inflexão da história da nação;
- a
existência de intelectual ou conjunto de intelectuais, identificador e
definidor dos rumos dos respectivos país e sociedade; e
- a existência de
estadistas, capazes de catalisar as energias e sinergias à luz das indicações
da intelectualidade — não raro, no aproveitamento do êxito resultante do mencionado trauma —,
para empreender a transformação que leva o país à atuação global.
Ao se enfocar
as metas incluídas no contexto da Comissão da Verdade, vale a indagação: há ou
houve trauma, intelectual e estadista na evolução brasileira? A amostra de
cidadãos testemunhas da instalação da aludida Comissão é um bom indicador para
se arguir, debater e exercer o pleno direito ao contraditório.
Neste texto,
restringirei minhas observações ao terceiro pilar, a questão dos estadistas. Tratarei
do cenário e do contexto político brasileiro dos últimos trinta anos, sem citar
nomes. Minha opção é tentar uma abordagem despersonalizada e, tanto quanto
possível, conceitual e institucional.
O Maranhão e outras
capitanias da Federação são laboratórios adequados para as experiências sociais,
políticas e culturais requeridas. Seus IDHs e como corolário o padrão de saúde,
moradia, educação, funcionamento da justiça, ou vice-versa, tornam-nos
contra-exemplos das práticas satisfatórias de gestão do bem público. Pois bem,
a condução maranhense tem sido extrapolada para o Brasil todo, durante tanto
tempo, não importando que alinhamento ocupe a liderança maior do País. Por que
não instituir uma Comissão da Verdade para avaliar quantas crianças pereceram — para
ser mais realista, quantos milhares de crianças pereceram —,
inicialmente no Maranhão, e depois no restante do País, como resultado das
práticas políticas, algumas quase medievais, oriundas daquela capitania?
Em face dos
impulsos com gênese em Alagoas, o Parlamento brasileiro teve uma atuação
exemplar em quadra recente de nossa evolução política. Quais as consequências,
para a Nação, da falta de prosseguimento das ações saneadoras fomentadas pela
sociedade e acolhidas pelo Poder Legislativo? Por que o exemplo maranhense no
atinente a alinhamento de liderança regional com a liderança do País é imitado
inequivocamente nessa outra capitania? Não seria razoável implantar uma
Comissão da Verdade para avaliar as perdas do povo alagoano e as consequências
para o País?
É razoável
esperar que um intelectual, quando em função pública executiva, tenha o dever
imprescindível de transformar o cenário educacional em sua esfera de atuação.
Não deve haver dúvida de que poucos intelectuais ocuparam o mais alto cargo da
Nação brasileira. Lamentavelmente, nos anos recentes, o desempenho educacional
da juventude brasileira se ombreia com o dos países com as piores
classificações, dentre aqueles que são mundialmente avaliados — para
dúvida não restar, a referência disponível é a do PISA, conjunto de
procedimentos consagrados, no concerto dos países com nível minimamente
satisfatório de organização. Ora, os brasileiros devem pleitear uma Comissão da
Verdade para identificar as perdas resultantes da inépcia de intelectual na
liderança da Nação e na solução das questões educacionais patrícias, com ênfase
para as consequências da indigência educacional em todas as demais esferas
coletivas, a começar pela morte de criancinhas, o abandono aos idosos, a
segregação em favelas e tantas outras constatações, podendo algumas ser
consideradas hediondas. Essa Comissão teria que apurar também se a verdade tem
apenas uma faceta, apenas um lado, ..., se a verdade é, recursivamente, uma
meia verdade, conforme enunciado por notável integrante da intelectualidade. Para
ele, os assassinatos do Toledo e da Elizabeth Mazza Nunes, perpetrados por seus
próprios companheiros, com motivações e ações tipicamente nazicomunistas — para
ficar apenas com dois exemplos — não podem ser objeto de apuração da verdade. Goethe,
dando solavancos no túmulo, tem razões para estar berrando “Lich, mehr licht!” (“Faaaltaaa
luuuzzz!”).
Nossa evolução
traz-nos para tempos mais recentes, onde a despeito da onda de otimismo
generalizado, testemunhou-se um dos períodos de maior corrupção em nosso
maltratado País. Por oportuno e por decência, deve-se asseverar que essa é também
uma questão antiga. Basta lembrar Rui Barbosa e sua célebre Oração aos Moços — “De tanto ver triunfar as nulidades...., o
homem chega rir-se da honra, a desdenhar da virtude, a ter vergonha de ser
honesto, ...”. Entretanto, o que assombraria mestre Rui é a dimensão, é a
escalada, é a violência da malversação do bem coletivo na atualidade. Temos
alguns poucos meses para conferir se, do episódio do “mensalão”, resultará a
catarse requerida e para confirmar a celebrada metáfora de François Andrieux,
que colocou na boca do moleiro de Sans Souci o verso "— Oui, si nous n’avions pas des juges à Berlin.” (“— Sim, se não houvesse consciências em
Brasília!”). O que se deve arguir é por que não implantar uma Comissão da
Verdade para avaliar os destroços humanos resultantes do desvio de recursos
públicos de hospitais, escolas e programas de moradia e saneamento, para as
mãos de quadrilhas organizadas — ressalte-se, segundo avaliação da alta instância do
Ministério Público. Bom, um doutor defende a tese de que a verdade é como a
Lua, deve ter uma face visível e outra oculta; seu homônimo, o doutor LHC (Lula Honoris Causa) nunca
defendeu tese, ou melhor, defende a tese de que o “mensalão” não existiu, como
se fosse possível não existirem a Lua e a verdade. São homônimos não pela
coincidência de siglas, mas pela coincidência de exegese da práxis
político-financeira para manutenção do poder.
O presente, o que
é o presente senão o esbarrar do passado com o futuro? A História ensina que,
no passado, o nazismo foi um sistema de gestão que assassinou e torturou
milhões de pessoas. Ensina também que o comunismo também assassinou e torturou
outros milhões, quem sabe muito mais do que seu alter ego. O que significa
defender, preconizar, lutar e matar pela implantação do nazismo ou do comunismo
em um País como o Brasil? O que significa empreender essa luta, sofrer-lhe as
conseqüências — enfatize-se: é perversidade matar ou torturar, mesmo quando a cidadã ou o
cidadão peleja pelo nazicomunismo —, e depois mentir, asseverando que a luta era contra a
ordem vigente? Que tal uma Comissão da Verdade, com o íntegro testemunho do
Gustavo Gorender, para retirar a máscara que engana e agride?
Inicialmente, esta
missiva cogitou de três vertentes da construção de um país ator global, mas
discorreu sobre generalidades de apenas uma delas: a indigência de líderes ou
ausência de estadistas em um período recente de nossa história, inferência que
pode ser extrapolada para o conjunto inteiro, ressalvadas exceções poucas. A
revolução transformadora — que não precisa ser necessariamente armada —, a intelectualidade
e também a liderança de Estado são temas a serem explorados em nosso País,
devendo a última ser tratada, não com a minha indignação, mas com elevada
qualificação. Os intelectuais da atualidade precisam gerar intelectuais
melhores para indicar os rumos de nossa evolução. Poucas organizações ou instituições
tem o potencial do Estadão para estimular os questionamentos, propor os desafios,
elaborar as provocações para que brasileiros com a requerida condição
intelectual, com coragem e integridade, e, sobretudo, isentos de associação com
a malversação do interesse coletivo e com ideologias anestesiadoras, tratem da
questão.
Parece razoável
nutrir a expectativa de que, a despeito da inequívoca simpatia do Estadão
para com aqueles que defendem a Comissão da Verdade restrita, a parcialidade
resultante dessa atitude possa ser atenuada para que continuemos a nos orgulhar
do jornal e, sobretudo, para que haja um despertar em nosso País da omissão de
parcelas ponderáveis de integrantes da política, da intelectualidade e da
juventude, na construção de um caminho autônomo e com independência em relação
aos países poderosos da atual conjuntura. E, especialmente, que faça germinar
entre nós a decência, a ética e a generosidade no bem servir.
Ou então conformemo-nos
com o País que é um dos cinco ou seis maiores produtores de automóveis no
mundo, mas é o único dentre os oito primeiros que não tem uma indústria de
automóveis pertencente a nacionais e com capital majoritariamente nacional; ou conformemo-nos
com um País cujos equipamentos fundamentais de suas Forças Armadas são
majoritariamente de concepção e produção estrangeira — lembrando que não existe
exemplo na História que contemple povos vitoriosos com equipamentos militares
concebidos e fabricados fora das fronteiras nacionais; ou nos acovardemos
diante da corrupção endêmica, sistêmica, desenfreada e incalculável; ou aceitemos
com passividade um dos piores sistemas educacionais dos 60 países do mundo com
melhor nível organizacional — a propósito, sou filho de família modesta, sou neto de
negra e bisneto de índia e não precisei da malfadada política de cotas para
ingressar em uma das melhores Faculdades de Engenharia do País, bastou apenas
mérito e escolas públicas satisfatórias; adicionalmente, jamais faltei a um dia
de aula, do ensino fundamental às três pós-graduações realizadas, em
decorrência de greve, não raro, entre nós, o direito universal de punir os
menos aquinhoados, com a bênção daqueles a quem não interessa um povo letrado —; ou,
entre tantas outras aceitações, conformemo-nos com o fato de que a lista de
livros mais vendidos do Estadão, quando comparada com as suas
congêneres no mundo, é a que contém a maior densidade de autores estrangeiros.
Ou então
vivamos em estado de catalepsia cerebral, imaginando Comissões da Verdade, que
a rigor deveriam ser alcunhadas Comissões da Vergonha e Humilhação.
Não tenho
qualquer constrangimento em ser acusado de detentor de agenda negativa. Entendo
que a faculdade de interpretar o todo é um atributo fundamental do ser humano.
Entendo que a capacidade de indignação é essencial para que haja a prevalência
da ética, da decência e da justiça. E, por último e primacialmente importante,
entendo que é fator evolutivo, com enorme relevância, a disposição e coragem
para vasculhar as entranhas de qualquer organização, sociedade ou nação, para
identificar-lhes as mazelas e construir uma agenda voltada para a realidade sem
práticas medievais, sem corrupção, sem ausência de compromisso com Educação e
sem meias verdades ou meias mentiras, não importando quão doloroso seja. Enfim, um País com harmonia, solidariedade, justiça e riqueza, com acesso assegurado a
todos, à luz de irrepreensível prevalência do mérito.
Diante de
qualquer juízo contrário, entendo que não devo, como Galileu, retratar-me, mas
vale lembrar sua frase emblemática: “E pur
se muove” (“Não adianta me forçarem a mentir!”).
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Fórum dos Leitores
O Estado de S.Paulo
26 de
maio de 2012 | 03h05
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COMISSÃO DA VERDADE
Na semana que passou,
constatei que o Estadão, que tenho lido nos últimos 40 anos, deu extensa
cobertura ao assunto Comissão da Verdade. Ao que foi apresentado no editorial
principal, foram agregadas opiniões de um vasta gama de personagens importantes
da intelligentsia brasileira. Tento modestamente colocar algumas questões que
não foram mencionadas pelas pessoas notáveis que emprestaram seus talentos para
abordar o problema. Quando se analisa qualquer país que, em algum momento da
história, tenha desempenhado ou esteja desempenhando o papel de ator global,
verifica-se a prevalência de três condicionantes:
– a ocorrência de trauma
social, cultural, político e militar generalizado, caracterizador de ponto de
inflexão da história da nação;
– a existência de
intelectual ou conjunto de intelectuais, identificador e definidor dos
rumos dos respectivos país e sociedade; e
– a existência de
estadistas, capazes de catalisar as energias e sinergias à luz das
indicações da intelectualidade – não raro, no aproveitamento do êxito
resultante do mencionado trauma –, para empreender a transformação que leva o
País à atuação global.
Ao se enfocar as metas
incluídas no contexto da Comissão da Verdade, vale a indagação: há ou houve
trauma, intelectual e estadista na evolução brasileira? A amostra de cidadãos
testemunhas da instalação da aludida Comissão é um bom indicador para se
arguir, debater e exercer o pleno direito ao contraditório. Neste texto,
restringirei minhas observações ao terceiro pilar, a questão dos estadistas.
Tratarei do cenário e do contexto político brasileiro dos últimos trinta anos,
sem citar nomes. Minha opção é tentar uma abordagem despersonalizada e, tanto
quanto possível, conceitual e institucional. O Maranhão e outras capitanias da
Federação são laboratórios adequados para as experiências sociais, políticas e
culturais requeridas. Seus IDHs e como corolário o padrão de saúde, moradia,
educação, funcionamento da justiça, ou vice-versa, tornam-nos contraexemplos
das práticas satisfatórias de gestão do bem público. Pois bem, a condução
maranhense tem sido extrapolada para o Brasil todo, durante tanto tempo, não
importando que alinhamento ocupe a liderança maior do País. Por que não
instituir uma Comissão da Verdade para avaliar quantas crianças pereceram –
para ser mais realista, quantos milhares de crianças pereceram –, inicialmente
no Maranhão, e depois no restante do País, como resultado das práticas
políticas, algumas quase medievais, oriundas daquela capitania?
Em face dos impulsos
com gênese em Alagoas, o Parlamento brasileiro teve uma atuação exemplar em
quadra recente de nossa evolução política. Quais as consequências, para a
Nação, da falta de prosseguimento das ações saneadoras fomentadas pela
sociedade e acolhidas pelo Poder Legislativo? Por que o exemplo maranhense no
atinente a alinhamento de liderança regional com a liderança do País é imitado
inequivocamente nessa outra capitania? Não seria razoável implantar uma
Comissão da Verdade para avaliar as perdas do povo alagoano e as consequências
para o País?
É razoável esperar que
um intelectual, quando em função pública executiva, tenha o dever
imprescindível de transformar o cenário educacional em sua esfera de atuação.
Não deve haver dúvida de que poucos intelectuais ocuparam o mais alto cargo da
Nação brasileira. Lamentavelmente, nos anos recentes, o desempenho educacional
da juventude brasileira se ombreia com o dos países com as piores
classificações, dentre aqueles que são mundialmente avaliados – para dúvida não
restar, a referência disponível é a do Pisa, conjunto de procedimentos
consagrados, no concerto dos países com nível minimamente satisfatório de
organização. Ora, os brasileiros devem pleitear uma Comissão da Verdade para
identificar as perdas resultantes da inépcia de intelectual na liderança da
Nação e na solução das questões educacionais patrícias, com ênfase para as
consequências da indigência educacional em todas as demais esferas coletivas, a
começar pela morte de criancinhas, o abandono aos idosos, a segregação em
favelas e tantas outras constatações, podendo algumas serem consideradas
hediondas. Essa Comissão teria que apurar também se a verdade tem apenas uma
faceta, apenas um lado, ..., se a verdade é, recursivamente, uma meia verdade,
conforme enunciado por notável integrante da intelectualidade. Para ele, os
assassinatos do Toledo e da Elizabeth Mazza Nunes, perpetrados por seus
próprios companheiros, com motivações e ações tipicamente nazi-comunistas –
para ficar apenas com dois exemplos – não podem ser objeto de apuração da
verdade. Goethe, dando solavancos no túmulo, tem razões para estar berrando “Lich, mehr licht!” (“Faaaltaaa luuuzzz!”).
Nossa evolução
traz-nos para tempos mais recentes, onde a despeito da onda de otimismo
generalizado, testemunhou-se um dos períodos de maior corrupção em nosso
maltratado País. Por oportuno e por decência, deve-se asseverar que essa é
também uma questão antiga. Basta lembrar Rui Barbosa e sua célebre Oração aos
Moços – “De tanto ver triunfar as
nulidades..., o homem chega rir-se da honra, a desdenhar da virtude, a ter
vergonha de ser honesto...”. Entretanto, o que assombraria mestre Rui é a
dimensão, é a escalada, é a violência da malversação do bem coletivo. Temos
alguns poucos meses para conferir se, do episódio do “mensalão”, resultará a
catarse requerida e para confirmar a celebrada metáfora de François Andrieux,
que colocou na boca do moleiro de Sans Souci o verso: “Oui, si nous n’avions pas des juges à Berlin.” (“Sim, se não houvesse consciências em
Brasília!”). O que se deve arguir é por que não implantar uma Comissão da
Verdade para avaliar os destroços humanos resultantes do desvio de recursos
públicos de hospitais, escolas e programas de moradia e saneamento, para as
mãos de quadrilhas organizadas – ressalte-se, segundo avaliação da alta
instância do Ministério Público. Bom, um doutor defende a tese de que a verdade
é como a Lua, deve ter uma face visível e outra oculta; seu homônimo, o doutor
LHC (Lula Honoris Causa) nunca defendeu tese, ou melhor, defende a tese de que
o “mensalão” não existiu, como se fosse possível não existirem a Lua e a
verdade. São homônimos não pela coincidência de siglas, mas pela coincidência
de exegese da práxis político-financeira para manutenção do poder. O presente,
o que é o presente senão o esbarrar do passado com o futuro?
A História ensina que,
no passado, o nazismo foi um sistema de gestão que assassinou e torturou milhões
de pessoas. Ensina também que o comunismo também assassinou e torturou outros
milhões, quem sabe muito mais do que seu alter ego. O que significa defender,
preconizar, lutar e matar pela implantação do nazismo ou do comunismo em um
País como o Brasil? O que significa empreender essa luta, sofrer-lhe as
consequências – enfatize-se: é perversidade matar ou torturar, mesmo quando a
cidadã ou o cidadão peleja pelo nazi-comunismo –, e depois mentir, asseverando
que a luta era contra a ordem vigente? Que tal uma Comissão da Verdade, com o
íntegro testemunho do Gustavo Gorender, para retirar a máscara que engana e
agride?
Inicialmente, esta
missiva cogitou de três vertentes da construção de um país ator global, mas
discorreu sobre generalidades de apenas uma delas: a indigência de líderes ou
ausência de estadistas em um período recente de nossa história, inferência que
pode ser extrapolada para o conjunto inteiro, ressalvadas exceções poucas. A
revolução transformadora – que não precisa ser necessariamente armada –, a
intelectualidade e também a liderança de Estado são temas a serem explorados em
nosso País, devendo a última ser tratada, não com a minha indignação, mas com
elevada qualificação. Os intelectuais da atualidade precisam gerar intelectuais
melhores para indicar os rumos de nossa evolução. Poucas organizações ou
instituições tem o potencial do Estadão para estimular os questionamentos,
propor os desafios, elaborar as provocações para que brasileiros com a
requerida condição intelectual, com coragem e integridade, e, sobretudo,
isentos de associação com a malversação do interesse coletivo e com ideologias
anestesiadoras, tratem da questão.
Parece razoável nutrir
a expectativa de que, a despeito da inequívoca simpatia do Estadão para com
aqueles que defendem a Comissão da Verdade restrita, a parcialidade resultante
dessa atitude possa ser atenuada para que continuemos a nos orgulhar do jornal
e, sobretudo, para que haja um despertar em nosso País da omissão de parcelas
ponderáveis de integrantes da política, da intelectualidade e da juventude, na
construção de um caminho autônomo e com independência em relação aos países
poderosos da atual conjuntura. E, especialmente, que faça germinar entre nós a
decência, a ética e a generosidade no bem servir.
Ou então
conformemo-nos com o País que é um dos cinco ou seis maiores produtores de
automóveis no mundo, mas é o único dentre os oito primeiros que não tem uma
indústria de automóveis pertencente a nacionais e com capital majoritariamente
nacional; ou conformemo-nos com um País cujos equipamentos fundamentais de suas
Forças Armadas são majoritariamente de concepção e produção estrangeira –
lembrando que não existe exemplo na História que contemple povos vitoriosos com
equipamentos militares concebidos e fabricados fora das fronteiras nacionais;
ou nos acovardemos diante da corrupção endêmica, sistêmica, desenfreada e
incalculável; ou aceitemos com passividade um dos piores sistemas educacionais
dos 60 países do mundo com melhor nível organizacional – a propósito, sou filho
de família modesta, sou neto de negra e bisneto de índia e não precisei da
malfadada política de cotas para ingressar em uma das melhores Faculdades de
Engenharia do País, bastou apenas mérito e escolas públicas satisfatórias;
adicionalmente, jamais faltei a um dia de aula, do ensino fundamental às três
pós-graduações realizadas, em decorrência de greve, não raro, entre nós, o
direito universal de punir os menos aquinhoados, com a bênção daqueles a quem
não interessa um povo letrado – ou, entre tantas outras aceitações,
conformemo-nos com o fato de que a lista de livros mais vendidos do Estadão,
quando comparada com as suas congêneres no mundo, é a que contém a maior
densidade de autores estrangeiros.
Ou então vivamos em
estado de catalepsia cerebral, imaginando Comissões da Verdade, que a rigor
deveriam ser alcunhadas Comissões da Vergonha e Humilhação. Não tenho qualquer
constrangimento em ser acusado de detentor de agenda negativa. Entendo que a
faculdade de interpretar o todo é um atributo fundamental do ser humano.
Entendo que a capacidade de indignação é essencial para que haja a prevalência
da ética, da decência e da justiça.
E, por último e
principalmente importante, entendo que é fator evolutivo, com enorme
relevância, a disposição e coragem para vasculhar as entranhas de qualquer
organização, sociedade ou nação, para identificar-lhes as mazelas e construir
uma agenda voltada para a realidade sem práticas medievais, sem corrupção, sem
ausência de compromisso com Educação e sem meias verdades ou meias mentiras,
não importando quão doloroso seja.
Enfim, um País com
harmonia, solidariedade, justiça e riqueza, com acesso assegurado a todos, à
luz de irrepreensível prevalência do mérito. Diante de qualquer juízo
contrário, entendo que não devo, como Galileu, retratar-me, mas vale lembrar
sua frase emblemática: “E pur se muove”
(“Não adianta me forçarem a mentir!”).
Brasília
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