quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Alternância de poder

No contexto dos festejos de final de ano, é conveniente que deixemos questões objetivas do cotidiano, assuntos políticos e temas indutores de indignação em segundo plano, entretanto a leitura sempre estimulante do Estadão impede a adoção integral dessa atitude. Três matérias distintas porém interconectadas por um fio condutor comum são a motivação para tentar alinhavar algumas ideias correlatas.
São elas: ‘Fux falou que o processo não tinha prova’, diz Carvalho; Governo ficou ‘perplexo’ com PIB, diz Carvalho; e ‘Não se adota um experimento como política’, publicadas na edição de 24 de dezembro de 2012.
Em relação à primeira matéria, constata-se que o Sr. Gilberto Carvalho repete a argumentação que já adotara antes em relação ao operador do Mensalão, Sr. Marcos Valério. Vale dizer, é preciso desqualificar as pessoas que, de uma forma ou de outra, contribuíram para o desmascaramento da quadrilha, cujos integrantes foram condenados pelo Supremo Tribunal Federal.
Nesse sentido, quando interagia com os PeTistas, inclusive em contatos no Palácio do Planalto, o Sr. Valério satisfazia aos interesses políticos daquela agremiação política e era pessoa íntegra, confiável e, sem qualquer exagero, magnífica. Agora, que lhe pesam física, jurídica, penal e psicologicamente, quarenta anos de prisão --- somados às dezenas de anos aplicadas pela instância jurídica suprema aos PeTistas ---, ele passou para a condição de ser desprezível.
Em relação ao Sr. Luiz Fux, é notória a tentativa dos PeTistas de desqualificá-lo. Fica nítida a impressão de que indicaram-no e o nomearam Ministro do Supremo Tribunal Federal com a inequívoca percepção de que ele contribuiria para deixar impune os integrantes da quadrilha. E os demais Ministros que foram indicados pelo Governo do PT e depois não votaram da mesma forma constrangedora como o fizeram o Sr. Dias Toffoli e o Sr. Ricardo Lewandowski?
Então, para os integrantes da corrente do Sr. Carvalho, para ser ministro da mais alta corte do País, o cidadão deve prescindir de independência, comportamento alicerçado na decência e alto saber jurídico e, como corolário, basta apoio dos senhores José Dirceu, Sérgio Cabral, João Pedro Stédile e outros, bem como a garantia de que vai votar pela absolvição dos integrantes da corrente para receber a nomeação?
Com a palavra, os brasileiros qualificados para dirimir as dúvidas levantadas.
Em relação ao pífio crescimento do PIB brasileiro no corrente ano, o Sr. Carvalho, ao cogitar a mudança da forma pela qual é calculado o crescimento, assume a perplexidade dos ignorantes; a indigência daqueles que acham que basta garantir um pagamento mensal para os menos favorecidos para se considerar que a economia vai bem; e a cegueira aética dos que não admitem que o Brasil está crescendo menos do que a maioria dos países sul-americanos, e menos do que todos os BRICS --- vale dizer, colombianos, chilenos, peruanos, russos, chineses, indianos e sul-africanos podem dormir na certeza de que seus filhos têm garantido um futuro melhor do que os filhos de brasileiros.
Agora, ao invés de indagar, eu assevero. Seria conveniente que o Sr. Carvalho tratasse de explicar melhor o que ocorrera com o Sr. Celso Daniel na periferia da cidade de São Paulo (com todo o respeito aos brasileiros íntegros dessa região) e na “periferia” de sua agremiação partidária (com toda a indignação pelas recorrentes incoerências da práxis política PeTista) e deixasse de assumir a condição de defensor das mazelas e dos malfeitos na gestão econômica de seu Governo, prestando-se o papel que ofende, agride e desrespeita qualquer consciência fundamentada na lógica, na razão e na decência.
Como contraponto, passo a tratar das opiniões equilibradas e de elevada qualificação pessoal e profissional do Sr. Simon Schwartzman. Ele nos proporciona lúcida análise do processo de adoção do sistema de cotas no País, com foco no que está acontecendo em São Paulo.
É de se lamentar que o Sr. Schwarzman se limite a certas fronteiras do problema, de um certo prisma, subvertendo o essencial pela prevalência do acessório. Senão vejamos. Entre meus parentes, encontro família formada no final da década de 1940, em que a avó de um dos cônjuges era índia pura, vale dizer, saiu da aldeia para aculturação, marcando inequivocamente a feição da maioria dos descendentes. A mãe do outro cônjuge era negra, seguramente, neta de algum escravo arrebanhado em terras africanas. Como se isso não bastasse, essa família se formou na campanha, na roça e estava inserida na fronteira inferior da base da pirâmide social, seja pela condição financeira ou pela condição de semi-alfabetização do casal.
O então chefe da família asseverara para os seu próximos que os filhos se tornariam doutores. Ele diligenciou para isso, levando-os, inicialmente, a morar da casa de outrem, por favor, mediante o pagamento de quantia ínfima. Depois, mudou-se para a sede do município, onde existia escola. Os testemunhos da família e de seus próximos dão conta das dificuldades, privações e constrangimentos tantos vividos naquele lar. Como epílogo, os filhos hoje sexagenários estão aposentados depois de épica inserção social na condição de engenheiro, advogado, pedagoga e contabilistas, possibilitando aos descendentes ventura similar.
Qual foi a causa? Não havia cotas para negros, índios ou pobres. Apenas a sorte de terem estudado, exclusivamente, em escola pública de qualidade --- Escolas Reunidas de Rochedo, Colégio Estadual Campograndense, Escola Preparatória de Cadetes do Ar e Instituto Militar de Engenharia.
Permito-me achar que as reflexões do Sr. Schwartzman podem ser interpretadas como a permuta do essencial (a instituição da Educação como a prioridade política e estratégica maior da Nação) pelo acessório (a discussão da política de cotas, favorecimento de alguns e demérito no acesso à Universidade).
Que tal propugnar por salários decentes e diferenciados para os professores (destarte, decretando-se que os mestres do ensino fundamental do Piauí passem a ganhar o maior dentre as seguintes referências: salário de um Terceiro Secretário do Itamaraty, vencimento de um Capitão das Forças Armadas e 20% dos rendimentos de um Deputado Federal --- em todas as demais esferas, os salários dos professores fiquem condicionados de forma apropriada a essa referência)?
Que tal transformar o magistério na melhor carreira dentre as existentes nas depressões, planícies e planaltos tupiniquins, sem direito a greve e com a possibilidade de demissão daqueles que não agirem em consonância com a imprescindibilidade,  nobreza e grandeza da profissão?
Que tal transformar a formação dos professores, complementando-a por treinamento continuado em cada ano letivo?
Que tal instituir 230 dias letivos anuais e não os insuficientes 200 dias atuais?
Que tal adotar 6 horas da aula diárias em lugar das 4 horas que são praticadas nas escolas públicas (sendo que não raro esta carga horária é desperdiçada por desqualificação dos professores, por indigência de gestão e outras causas)?
Que tal alterar os estatutos jurídicos, formulando processos que punam de forma rápida e contundente os administradores públicos que contrariarem a tese primacial de prioridade das prioridades para a Educação?
Enfim, entendo que o talento do Sr. Schwartzman é necessário e suficiente para iluminar melhor as sendas em que se situam as discussões em curso, preferencialmente, tratando em outra ocasião das questões ora levantadas. A esse respeito, enfatizo efusivamente que os negros, os índios e os pobres (eu sou ou estive um deles) não precisam de favor, de cotas ou de caracterização de sua gênese, de sua epiderme ou de seu estado sócio-econômico.  Precisam sim de igualdade de oportunidades para competir, educar-se e ser considerado objeto de humanismo, decência, justiça, ética e transformação construtiva de seu entorno.
Não tenho a intenção de comparar as estaturas intelectuais e éticas dos senhores Carvalho e Schwartzman. O que me impele a pensar e a expressar meu pensamento é o fio condutor comum de três matérias do exemplar Estadão, que expõem a interdependência entre o inconformismo  com a condenação de uma quadrilha de malfeitores --- com ênfase para a desqualificação de personagens relevantes na apuração das sentenças; a pobreza da gestão econômica e a cogitação de fraudar os dados para mostrar resultado diverso; e a instituição da política de cotas sociais, raciais e financeiras para acobertar as deficiências do sistema educacional vigente, agravada pela inépcia em empreender sua transformação.
Na América do Sul e entre os emergentes BRICS --- se é que se pode alcunhar a China milenar de emergente ---, o Brasil está imerso na poeira deixada por aqueles cuja gestão governamental não é indigente e nem possuem acólitos  para tornar verdades, mentiras deslavadas pela repetição despudorada destas.
Enfim, democracia resulta do voto universal, livre e direto; da liberdade de expressão e pensamento, de que me valho intensamente nesta missiva; do funcionamento adequado e independente dos três poderes; da evolução do Poder Legislativo com a substituição de práticas medievais por procedimentos equânimes com as possibilidades de grandeza do povo patrício; da efetividade do Poder Judiciário; e da alternância da ocupação da mais alta instância do Poder Executivo.

Por oportuno, aduziria que está mais do que na hora de o povo brasileiro fazer a opção pela alternância da ocupação do Palácio do Planalto.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Recuperação dos presídios do País

Divulgado no Fórum de Leitores eletrônico do jornal O Estado de São Paulo – 21 Nov 2012
A propósito das matérias “Toffoli diz que penas a réu do mensalão são medievais e “’Terror’ em prisão leva à violência, diz Cardoso”, inseridas na primeira página do Estadão de ontem, 15 de novembro, constata-se que o despertar da preocupação de elevadas autoridades da República com a situação ambiental dos bandidos e a consequente inserção do assunto na agenda política nacional ocorre no momento em que os figurões do Mensalão são condenados ao enjaulamento. Simples coincidência, oportunismo resultante da indigência intelectual, falta de qualificação pura e simples ou surgimento de notáveis estadistas em nosso deserto político?
Tomando emprestado o pensamento do Ministro Joaquim Barbosa --- algoz dos criminosos hediondos do colarinho branco ---, enquanto apenas os pobres e demais desvalidos eram condenados, essa questão permanecia nas sombras das consciências de nossos líderes. Nossos não, de quem os investiu nessa condição.
Será que quem agride, ofende, mata, rouba e pratica ações bárbaras, nas ruas ou nos gabinetes, tem maior prioridade do que aqueles que vivem em favelas, do que as criancinhas que morrem por falta de condições sanitárias satisfatórias, do que os velhinhos que antecipam o término de sua existência por falta de assistência de saúde, do que as famílias que perdem seus entes queridos no trânsito, do que os professores das escolas públicas?
Não hesito em responder: vamos atribuir prioridade máxima, absoluta para todos os integrantes de quadrilhas --- aí incluídos os bandidos do Mensalão ---; vamos dar-lhes condições dignas de espiarem seus malfeitos; vamos propiciar-lhes a oportunidade de se regenerarem. Isso a despeito da dúvida atinente à possibilidade de recuperação para quem historicamente vem mentindo  para seus contemporâneos (tem gente que tem história na busca de conhecimento e treinamento para a guerrilha em país nazicomunista; na constituição de família; e na práxis política, em geral).
Aponto a solução prioritária, mas faço questão de indicar a fonte orçamentária. Os aportes financeiros para o aparelhamento de nossos presídios devem ser buscados na recuperação das centenas de milhões de recursos públicos que os componentes da quadrilha do Mensalão e as demais têm desviado em favor de seus interesses escusos e contrários a uma sociedade democrática, fraterna, solidária e justa.

(Colaboração: Isabel KSRS)

sábado, 26 de maio de 2012

Comissão da Verdade

[Divulgado no Fórum de Leitores eletrônico do Estadão de 26 Mai 2012]


Na semana que passou, constatei que o Estadão, que tenho lido nos últimos 40 anos, deu extensa cobertura ao assunto Comissão da Verdade. Ao que foi apresentado no editorial principal, foram agregadas opiniões de um vasta gama de personagens importantes da intelligentsia brasileira.
Tento modestamente colocar algumas questões que não foram mencionadas pelas pessoas notáveis que emprestaram seus talentos para abordar o problema.
Quando se analisa qualquer país que, em algum momento da história, tenha desempenhado ou esteja desempenhando o papel de ator global, verifica-se a prevalência de três condicionantes:
       - a ocorrência de trauma social, cultural, político e militar generalizado, caracterizador de ponto de inflexão da história da nação;
       - a existência de intelectual ou conjunto de intelectuais, identificador e definidor dos rumos dos respectivos país e sociedade; e
      - a existência de estadistas, capazes de catalisar as energias e sinergias à luz das indicações da intelectualidade  não raro, no aproveitamento do êxito resultante do mencionado trauma , para empreender a transformação que leva o país à atuação global.
Ao se enfocar as metas incluídas no contexto da Comissão da Verdade, vale a indagação: há ou houve trauma, intelectual e estadista na evolução brasileira? A amostra de cidadãos testemunhas da instalação da aludida Comissão é um bom indicador para se arguir, debater e exercer o pleno direito ao contraditório.
Neste texto, restringirei minhas observações ao terceiro pilar, a questão dos estadistas. Tratarei do cenário e do contexto político brasileiro dos últimos trinta anos, sem citar nomes. Minha opção é tentar uma abordagem despersonalizada e, tanto quanto possível, conceitual e institucional.
O Maranhão e outras capitanias da Federação são laboratórios adequados para as experiências sociais, políticas e culturais requeridas. Seus IDHs e como corolário o padrão de saúde, moradia, educação, funcionamento da justiça, ou vice-versa, tornam-nos contra-exemplos das práticas satisfatórias de gestão do bem público. Pois bem, a condução maranhense tem sido extrapolada para o Brasil todo, durante tanto tempo, não importando que alinhamento ocupe a liderança maior do País. Por que não instituir uma Comissão da Verdade para avaliar quantas crianças pereceram  para ser mais realista, quantos milhares de crianças pereceram , inicialmente no Maranhão, e depois no restante do País, como resultado das práticas políticas, algumas quase medievais, oriundas daquela capitania?
Em face dos impulsos com gênese em Alagoas, o Parlamento brasileiro teve uma atuação exemplar em quadra recente de nossa evolução política. Quais as consequências, para a Nação, da falta de prosseguimento das ações saneadoras fomentadas pela sociedade e acolhidas pelo Poder Legislativo? Por que o exemplo maranhense no atinente a alinhamento de liderança regional com a liderança do País é imitado inequivocamente nessa outra capitania? Não seria razoável implantar uma Comissão da Verdade para avaliar as perdas do povo alagoano e as consequências para o País?
É razoável esperar que um intelectual, quando em função pública executiva, tenha o dever imprescindível de transformar o cenário educacional em sua esfera de atuação. Não deve haver dúvida de que poucos intelectuais ocuparam o mais alto cargo da Nação brasileira. Lamentavelmente, nos anos recentes, o desempenho educacional da juventude brasileira se ombreia com o dos países com as piores classificações, dentre aqueles que são mundialmente avaliados — para dúvida não restar, a referência disponível é a do PISA, conjunto de procedimentos consagrados, no concerto dos países com nível minimamente satisfatório de organização. Ora, os brasileiros devem pleitear uma Comissão da Verdade para identificar as perdas resultantes da inépcia de intelectual na liderança da Nação e na solução das questões educacionais patrícias, com ênfase para as consequências da indigência educacional em todas as demais esferas coletivas, a começar pela morte de criancinhas, o abandono aos idosos, a segregação em favelas e tantas outras constatações, podendo algumas ser consideradas hediondas. Essa Comissão teria que apurar também se a verdade tem apenas uma faceta, apenas um lado, ..., se a verdade é, recursivamente, uma meia verdade, conforme enunciado por notável integrante da intelectualidade. Para ele, os assassinatos do Toledo e da Elizabeth Mazza Nunes, perpetrados por seus próprios companheiros, com motivações e ações tipicamente nazicomunistas  para ficar apenas com dois exemplos  não podem ser objeto de apuração da verdade. Goethe, dando solavancos no túmulo, tem razões para estar berrando “Lich, mehr licht!” (“Faaaltaaa luuuzzz!”).
Nossa evolução traz-nos para tempos mais recentes, onde a despeito da onda de otimismo generalizado, testemunhou-se um dos períodos de maior corrupção em nosso maltratado País. Por oportuno e por decência, deve-se asseverar que essa é também uma questão antiga. Basta lembrar Rui Barbosa e sua célebre Oração aos Moços  “De tanto ver triunfar as nulidades...., o homem chega rir-se da honra, a desdenhar da virtude, a ter vergonha de ser honesto, ...”. Entretanto, o que assombraria mestre Rui é a dimensão, é a escalada, é a violência da malversação do bem coletivo na atualidade. Temos alguns poucos meses para conferir se, do episódio do “mensalão”, resultará a catarse requerida e para confirmar a celebrada metáfora de François Andrieux, que colocou na boca do moleiro de Sans Souci o verso " Oui, si nous n’avions pas des juges à Berlin.” (“ Sim, se não houvesse consciências em Brasília!”). O que se deve arguir é por que não implantar uma Comissão da Verdade para avaliar os destroços humanos resultantes do desvio de recursos públicos de hospitais, escolas e programas de moradia e saneamento, para as mãos de quadrilhas organizadas  ressalte-se, segundo avaliação da alta instância do Ministério Público. Bom, um doutor defende a tese de que a verdade é como a Lua, deve ter uma face visível e outra oculta; seu homônimo, o doutor LHC (Lula Honoris Causa) nunca defendeu tese, ou melhor, defende a tese de que o “mensalão” não existiu, como se fosse possível não existirem a Lua e a verdade. São homônimos não pela coincidência de siglas, mas pela coincidência de exegese da práxis político-financeira para manutenção do poder.
O presente, o que é o presente senão o esbarrar do passado com o futuro? A História ensina que, no passado, o nazismo foi um sistema de gestão que assassinou e torturou milhões de pessoas. Ensina também que o comunismo também assassinou e torturou outros milhões, quem sabe muito mais do que seu alter ego. O que significa defender, preconizar, lutar e matar pela implantação do nazismo ou do comunismo em um País como o Brasil? O que significa empreender essa luta, sofrer-lhe as conseqüências  enfatize-se: é perversidade matar ou torturar, mesmo quando a cidadã ou o cidadão peleja pelo nazicomunismo , e depois mentir, asseverando que a luta era contra a ordem vigente? Que tal uma Comissão da Verdade, com o íntegro testemunho do Gustavo Gorender, para retirar a máscara que engana e agride?
Inicialmente, esta missiva cogitou de três vertentes da construção de um país ator global, mas discorreu sobre generalidades de apenas uma delas: a indigência de líderes ou ausência de estadistas em um período recente de nossa história, inferência que pode ser extrapolada para o conjunto inteiro, ressalvadas exceções poucas. A revolução transformadora  que não precisa ser necessariamente armada , a intelectualidade e também a liderança de Estado são temas a serem explorados em nosso País, devendo a última ser tratada, não com a minha indignação, mas com elevada qualificação. Os intelectuais da atualidade precisam gerar intelectuais melhores para indicar os rumos de nossa evolução. Poucas organizações ou instituições tem o potencial do Estadão para estimular os questionamentos, propor os desafios, elaborar as provocações para que brasileiros com a requerida condição intelectual, com coragem e integridade, e, sobretudo, isentos de associação com a malversação do interesse coletivo e com ideologias anestesiadoras, tratem da questão.
Parece razoável nutrir a expectativa de que, a despeito da inequívoca simpatia do Estadão para com aqueles que defendem a Comissão da Verdade restrita, a parcialidade resultante dessa atitude possa ser atenuada para que continuemos a nos orgulhar do jornal e, sobretudo, para que haja um despertar em nosso País da omissão de parcelas ponderáveis de integrantes da política, da intelectualidade e da juventude, na construção de um caminho autônomo e com independência em relação aos países poderosos da atual conjuntura. E, especialmente, que faça germinar entre nós a decência, a ética e a generosidade no bem servir.
Ou então conformemo-nos com o País que é um dos cinco ou seis maiores produtores de automóveis no mundo, mas é o único dentre os oito primeiros que não tem uma indústria de automóveis pertencente a nacionais e com capital majoritariamente nacional; ou conformemo-nos com um País cujos equipamentos fundamentais de suas Forças Armadas são majoritariamente de concepção e produção estrangeira  lembrando que não existe exemplo na História que contemple povos vitoriosos com equipamentos militares concebidos e fabricados fora das fronteiras nacionais; ou nos acovardemos diante da corrupção endêmica, sistêmica, desenfreada e incalculável; ou aceitemos com passividade um dos piores sistemas educacionais dos 60 países do mundo com melhor nível organizacional  a propósito, sou filho de família modesta, sou neto de negra e bisneto de índia e não precisei da malfadada política de cotas para ingressar em uma das melhores Faculdades de Engenharia do País, bastou apenas mérito e escolas públicas satisfatórias; adicionalmente, jamais faltei a um dia de aula, do ensino fundamental às três pós-graduações realizadas, em decorrência de greve, não raro, entre nós, o direito universal de punir os menos aquinhoados, com a bênção daqueles a quem não interessa um povo letrado ; ou, entre tantas outras aceitações, conformemo-nos com o fato de que a lista de livros mais vendidos do Estadão, quando comparada com as suas congêneres no mundo, é a que contém a maior densidade de autores estrangeiros.
Ou então vivamos em estado de catalepsia cerebral, imaginando Comissões da Verdade, que a rigor deveriam ser alcunhadas Comissões da Vergonha e Humilhação.
Não tenho qualquer constrangimento em ser acusado de detentor de agenda negativa. Entendo que a faculdade de interpretar o todo é um atributo fundamental do ser humano. Entendo que a capacidade de indignação é essencial para que haja a prevalência da ética, da decência e da justiça. E, por último e primacialmente importante, entendo que é fator evolutivo, com enorme relevância, a disposição e coragem para vasculhar as entranhas de qualquer organização, sociedade ou nação, para identificar-lhes as mazelas e construir uma agenda voltada para a realidade sem práticas medievais, sem corrupção, sem ausência de compromisso com Educação e sem meias verdades ou meias mentiras, não importando quão doloroso seja.  Enfim, um País com harmonia, solidariedade,  justiça e riqueza, com acesso assegurado a todos, à luz de irrepreensível prevalência do mérito.

Diante de qualquer juízo contrário, entendo que não devo, como Galileu, retratar-me, mas vale lembrar sua frase emblemática: “E pur se muove” (“Não adianta me forçarem a mentir!”)

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Fórum dos Leitores
O Estado de S.Paulo 
26 de maio de 2012 | 03h05

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COMISSÃO DA VERDADE
Na semana que passou, constatei que o Estadão, que tenho lido nos últimos 40 anos, deu extensa cobertura ao assunto Comissão da Verdade. Ao que foi apresentado no editorial principal, foram agregadas opiniões de um vasta gama de personagens importantes da intelligentsia brasileira. Tento modestamente colocar algumas questões que não foram mencionadas pelas pessoas notáveis que emprestaram seus talentos para abordar o problema. Quando se analisa qualquer país que, em algum momento da história, tenha desempenhado ou esteja desempenhando o papel de ator global, verifica-se a prevalência de três condicionantes:
a ocorrência de trauma social, cultural, político e militar generalizado, caracterizador de ponto de inflexão da história da nação;
a existência de intelectual ou conjunto de intelectuais, identificador e definidor dos rumos dos respectivos país e sociedade; e
a existência de estadistas, capazes de catalisar as energias e sinergias à luz das indicações da intelectualidade – não raro, no aproveitamento do êxito resultante do mencionado trauma –, para empreender a transformação que leva o País à atuação global.
Ao se enfocar as metas incluídas no contexto da Comissão da Verdade, vale a indagação: há ou houve trauma, intelectual e estadista na evolução brasileira? A amostra de cidadãos testemunhas da instalação da aludida Comissão é um bom indicador para se arguir, debater e exercer o pleno direito ao contraditório. Neste texto, restringirei minhas observações ao terceiro pilar, a questão dos estadistas. Tratarei do cenário e do contexto político brasileiro dos últimos trinta anos, sem citar nomes. Minha opção é tentar uma abordagem despersonalizada e, tanto quanto possível, conceitual e institucional. O Maranhão e outras capitanias da Federação são laboratórios adequados para as experiências sociais, políticas e culturais requeridas. Seus IDHs e como corolário o padrão de saúde, moradia, educação, funcionamento da justiça, ou vice-versa, tornam-nos contraexemplos das práticas satisfatórias de gestão do bem público. Pois bem, a condução maranhense tem sido extrapolada para o Brasil todo, durante tanto tempo, não importando que alinhamento ocupe a liderança maior do País. Por que não instituir uma Comissão da Verdade para avaliar quantas crianças pereceram – para ser mais realista, quantos milhares de crianças pereceram –, inicialmente no Maranhão, e depois no restante do País, como resultado das práticas políticas, algumas quase medievais, oriundas daquela capitania?
Em face dos impulsos com gênese em Alagoas, o Parlamento brasileiro teve uma atuação exemplar em quadra recente de nossa evolução política. Quais as consequências, para a Nação, da falta de prosseguimento das ações saneadoras fomentadas pela sociedade e acolhidas pelo Poder Legislativo? Por que o exemplo maranhense no atinente a alinhamento de liderança regional com a liderança do País é imitado inequivocamente nessa outra capitania? Não seria razoável implantar uma Comissão da Verdade para avaliar as perdas do povo alagoano e as consequências para o País?
É razoável esperar que um intelectual, quando em função pública executiva, tenha o dever imprescindível de transformar o cenário educacional em sua esfera de atuação. Não deve haver dúvida de que poucos intelectuais ocuparam o mais alto cargo da Nação brasileira. Lamentavelmente, nos anos recentes, o desempenho educacional da juventude brasileira se ombreia com o dos países com as piores classificações, dentre aqueles que são mundialmente avaliados – para dúvida não restar, a referência disponível é a do Pisa, conjunto de procedimentos consagrados, no concerto dos países com nível minimamente satisfatório de organização. Ora, os brasileiros devem pleitear uma Comissão da Verdade para identificar as perdas resultantes da inépcia de intelectual na liderança da Nação e na solução das questões educacionais patrícias, com ênfase para as consequências da indigência educacional em todas as demais esferas coletivas, a começar pela morte de criancinhas, o abandono aos idosos, a segregação em favelas e tantas outras constatações, podendo algumas serem consideradas hediondas. Essa Comissão teria que apurar também se a verdade tem apenas uma faceta, apenas um lado, ..., se a verdade é, recursivamente, uma meia verdade, conforme enunciado por notável integrante da intelectualidade. Para ele, os assassinatos do Toledo e da Elizabeth Mazza Nunes, perpetrados por seus próprios companheiros, com motivações e ações tipicamente nazi-comunistas – para ficar apenas com dois exemplos – não podem ser objeto de apuração da verdade. Goethe, dando solavancos no túmulo, tem razões para estar berrando “Lich, mehr licht!” (“Faaaltaaa luuuzzz!”).
Nossa evolução traz-nos para tempos mais recentes, onde a despeito da onda de otimismo generalizado, testemunhou-se um dos períodos de maior corrupção em nosso maltratado País. Por oportuno e por decência, deve-se asseverar que essa é também uma questão antiga. Basta lembrar Rui Barbosa e sua célebre Oração aos Moços – “De tanto ver triunfar as nulidades..., o homem chega rir-se da honra, a desdenhar da virtude, a ter vergonha de ser honesto...”. Entretanto, o que assombraria mestre Rui é a dimensão, é a escalada, é a violência da malversação do bem coletivo. Temos alguns poucos meses para conferir se, do episódio do “mensalão”, resultará a catarse requerida e para confirmar a celebrada metáfora de François Andrieux, que colocou na boca do moleiro de Sans Souci o verso: “Oui, si nous n’avions pas des juges à Berlin.” (“Sim, se não houvesse consciências em Brasília!”). O que se deve arguir é por que não implantar uma Comissão da Verdade para avaliar os destroços humanos resultantes do desvio de recursos públicos de hospitais, escolas e programas de moradia e saneamento, para as mãos de quadrilhas organizadas – ressalte-se, segundo avaliação da alta instância do Ministério Público. Bom, um doutor defende a tese de que a verdade é como a Lua, deve ter uma face visível e outra oculta; seu homônimo, o doutor LHC (Lula Honoris Causa) nunca defendeu tese, ou melhor, defende a tese de que o “mensalão” não existiu, como se fosse possível não existirem a Lua e a verdade. São homônimos não pela coincidência de siglas, mas pela coincidência de exegese da práxis político-financeira para manutenção do poder. O presente, o que é o presente senão o esbarrar do passado com o futuro?
A História ensina que, no passado, o nazismo foi um sistema de gestão que assassinou e torturou milhões de pessoas. Ensina também que o comunismo também assassinou e torturou outros milhões, quem sabe muito mais do que seu alter ego. O que significa defender, preconizar, lutar e matar pela implantação do nazismo ou do comunismo em um País como o Brasil? O que significa empreender essa luta, sofrer-lhe as consequências – enfatize-se: é perversidade matar ou torturar, mesmo quando a cidadã ou o cidadão peleja pelo nazi-comunismo –, e depois mentir, asseverando que a luta era contra a ordem vigente? Que tal uma Comissão da Verdade, com o íntegro testemunho do Gustavo Gorender, para retirar a máscara que engana e agride?
Inicialmente, esta missiva cogitou de três vertentes da construção de um país ator global, mas discorreu sobre generalidades de apenas uma delas: a indigência de líderes ou ausência de estadistas em um período recente de nossa história, inferência que pode ser extrapolada para o conjunto inteiro, ressalvadas exceções poucas. A revolução transformadora – que não precisa ser necessariamente armada –, a intelectualidade e também a liderança de Estado são temas a serem explorados em nosso País, devendo a última ser tratada, não com a minha indignação, mas com elevada qualificação. Os intelectuais da atualidade precisam gerar intelectuais melhores para indicar os rumos de nossa evolução. Poucas organizações ou instituições tem o potencial do Estadão para estimular os questionamentos, propor os desafios, elaborar as provocações para que brasileiros com a requerida condição intelectual, com coragem e integridade, e, sobretudo, isentos de associação com a malversação do interesse coletivo e com ideologias anestesiadoras, tratem da questão.
Parece razoável nutrir a expectativa de que, a despeito da inequívoca simpatia do Estadão para com aqueles que defendem a Comissão da Verdade restrita, a parcialidade resultante dessa atitude possa ser atenuada para que continuemos a nos orgulhar do jornal e, sobretudo, para que haja um despertar em nosso País da omissão de parcelas ponderáveis de integrantes da política, da intelectualidade e da juventude, na construção de um caminho autônomo e com independência em relação aos países poderosos da atual conjuntura. E, especialmente, que faça germinar entre nós a decência, a ética e a generosidade no bem servir.
Ou então conformemo-nos com o País que é um dos cinco ou seis maiores produtores de automóveis no mundo, mas é o único dentre os oito primeiros que não tem uma indústria de automóveis pertencente a nacionais e com capital majoritariamente nacional; ou conformemo-nos com um País cujos equipamentos fundamentais de suas Forças Armadas são majoritariamente de concepção e produção estrangeira – lembrando que não existe exemplo na História que contemple povos vitoriosos com equipamentos militares concebidos e fabricados fora das fronteiras nacionais; ou nos acovardemos diante da corrupção endêmica, sistêmica, desenfreada e incalculável; ou aceitemos com passividade um dos piores sistemas educacionais dos 60 países do mundo com melhor nível organizacional – a propósito, sou filho de família modesta, sou neto de negra e bisneto de índia e não precisei da malfadada política de cotas para ingressar em uma das melhores Faculdades de Engenharia do País, bastou apenas mérito e escolas públicas satisfatórias; adicionalmente, jamais faltei a um dia de aula, do ensino fundamental às três pós-graduações realizadas, em decorrência de greve, não raro, entre nós, o direito universal de punir os menos aquinhoados, com a bênção daqueles a quem não interessa um povo letrado – ou, entre tantas outras aceitações, conformemo-nos com o fato de que a lista de livros mais vendidos do Estadão, quando comparada com as suas congêneres no mundo, é a que contém a maior densidade de autores estrangeiros.
Ou então vivamos em estado de catalepsia cerebral, imaginando Comissões da Verdade, que a rigor deveriam ser alcunhadas Comissões da Vergonha e Humilhação. Não tenho qualquer constrangimento em ser acusado de detentor de agenda negativa. Entendo que a faculdade de interpretar o todo é um atributo fundamental do ser humano. Entendo que a capacidade de indignação é essencial para que haja a prevalência da ética, da decência e da justiça.
E, por último e principalmente importante, entendo que é fator evolutivo, com enorme relevância, a disposição e coragem para vasculhar as entranhas de qualquer organização, sociedade ou nação, para identificar-lhes as mazelas e construir uma agenda voltada para a realidade sem práticas medievais, sem corrupção, sem ausência de compromisso com Educação e sem meias verdades ou meias mentiras, não importando quão doloroso seja.
Enfim, um País com harmonia, solidariedade, justiça e riqueza, com acesso assegurado a todos, à luz de irrepreensível prevalência do mérito. Diante de qualquer juízo contrário, entendo que não devo, como Galileu, retratar-me, mas vale lembrar sua frase emblemática: “E pur se muove” (“Não adianta me forçarem a mentir!”).
Aléssio Ribeiro Souto, militar da reserva souto49@yahoo.com
Brasília
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