No contexto dos festejos de final de ano, é conveniente que
deixemos questões objetivas do cotidiano, assuntos políticos e temas indutores
de indignação em segundo plano, entretanto a leitura sempre estimulante do Estadão
impede a adoção integral dessa atitude. Três matérias distintas porém
interconectadas por um fio condutor comum são a motivação para tentar alinhavar
algumas ideias correlatas.
São elas: ‘Fux falou que o processo não
tinha prova’, diz Carvalho; Governo ficou ‘perplexo’ com PIB, diz
Carvalho; e ‘Não se adota um experimento como política’, publicadas na
edição de 24 de dezembro de 2012.
Em relação à primeira matéria,
constata-se que o Sr. Gilberto Carvalho repete a argumentação que já adotara
antes em relação ao operador do Mensalão, Sr. Marcos Valério. Vale dizer, é
preciso desqualificar as pessoas que, de uma forma ou de outra, contribuíram
para o desmascaramento da quadrilha, cujos integrantes foram condenados pelo
Supremo Tribunal Federal.
Nesse sentido, quando interagia
com os PeTistas, inclusive em contatos no Palácio do Planalto, o Sr. Valério
satisfazia aos interesses políticos daquela agremiação política e era pessoa
íntegra, confiável e, sem qualquer exagero, magnífica. Agora, que lhe pesam física,
jurídica, penal e psicologicamente, quarenta anos de prisão --- somados às
dezenas de anos aplicadas pela instância jurídica suprema aos PeTistas ---, ele
passou para a condição de ser desprezível.
Em relação ao Sr. Luiz Fux, é
notória a tentativa dos PeTistas de desqualificá-lo. Fica nítida a impressão de
que indicaram-no e o nomearam Ministro do Supremo Tribunal Federal com a
inequívoca percepção de que ele contribuiria para deixar impune os integrantes
da quadrilha. E os demais Ministros que foram indicados pelo Governo do PT e
depois não votaram da mesma forma constrangedora como o fizeram o Sr. Dias Toffoli
e o Sr. Ricardo Lewandowski?
Então, para os integrantes da
corrente do Sr. Carvalho, para ser ministro da mais alta corte do País, o
cidadão deve prescindir de independência, comportamento alicerçado na decência
e alto saber jurídico e, como corolário, basta apoio dos senhores José Dirceu,
Sérgio Cabral, João Pedro Stédile e outros, bem como a garantia de que vai
votar pela absolvição dos integrantes da corrente para receber a nomeação?
Com a palavra, os brasileiros
qualificados para dirimir as dúvidas levantadas.
Em relação ao pífio crescimento do
PIB brasileiro no corrente ano, o Sr. Carvalho, ao cogitar a mudança da forma
pela qual é calculado o crescimento, assume a perplexidade dos ignorantes; a
indigência daqueles que acham que basta garantir um pagamento mensal para os
menos favorecidos para se considerar que a economia vai bem; e a cegueira
aética dos que não admitem que o Brasil está crescendo menos do que a maioria
dos países sul-americanos, e menos do que todos os BRICS --- vale dizer,
colombianos, chilenos, peruanos, russos, chineses, indianos e sul-africanos
podem dormir na certeza de que seus filhos têm garantido um futuro melhor do
que os filhos de brasileiros.
Agora, ao invés de indagar, eu
assevero. Seria conveniente que o Sr. Carvalho tratasse de explicar melhor o
que ocorrera com o Sr. Celso Daniel na periferia da cidade de São Paulo (com
todo o respeito aos brasileiros íntegros dessa região) e na “periferia” de sua
agremiação partidária (com toda a indignação pelas recorrentes incoerências da
práxis política PeTista) e deixasse de assumir a condição de defensor das
mazelas e dos malfeitos na gestão econômica de seu Governo, prestando-se o
papel que ofende, agride e desrespeita qualquer consciência fundamentada na
lógica, na razão e na decência.
Como contraponto, passo a tratar
das opiniões equilibradas e de elevada qualificação pessoal e profissional do
Sr. Simon Schwartzman. Ele nos proporciona lúcida análise do processo de adoção
do sistema de cotas no País, com foco no que está acontecendo em São Paulo.
É de se lamentar que o Sr.
Schwarzman se limite a certas fronteiras do problema, de um certo prisma,
subvertendo o essencial pela prevalência do acessório. Senão vejamos. Entre
meus parentes, encontro família formada no final da década de 1940, em que a
avó de um dos cônjuges era índia pura, vale dizer, saiu da aldeia para
aculturação, marcando inequivocamente a feição da maioria dos descendentes. A
mãe do outro cônjuge era negra, seguramente, neta de algum escravo arrebanhado
em terras africanas. Como se isso não bastasse, essa família se formou na
campanha, na roça e estava inserida na fronteira inferior da base da pirâmide
social, seja pela condição financeira ou pela condição de semi-alfabetização do
casal.
O então chefe da família
asseverara para os seu próximos que os filhos se tornariam doutores. Ele
diligenciou para isso, levando-os, inicialmente, a morar da casa de outrem, por
favor, mediante o pagamento de quantia ínfima. Depois, mudou-se para a sede do
município, onde existia escola. Os testemunhos da família e de seus próximos
dão conta das dificuldades, privações e constrangimentos tantos vividos naquele
lar. Como epílogo, os filhos hoje sexagenários estão aposentados depois de
épica inserção social na condição de engenheiro, advogado, pedagoga e
contabilistas, possibilitando aos descendentes ventura similar.
Qual foi a causa? Não havia cotas
para negros, índios ou pobres. Apenas a sorte de terem estudado,
exclusivamente, em escola pública de qualidade --- Escolas Reunidas de Rochedo,
Colégio Estadual Campograndense, Escola Preparatória de Cadetes do Ar e
Instituto Militar de Engenharia.
Permito-me achar que as reflexões
do Sr. Schwartzman podem ser interpretadas como a permuta do essencial (a
instituição da Educação como a prioridade política e estratégica maior da
Nação) pelo acessório (a discussão da política de cotas, favorecimento de
alguns e demérito no acesso à Universidade).
Que tal propugnar por salários
decentes e diferenciados para os professores (destarte, decretando-se que os
mestres do ensino fundamental do Piauí passem a ganhar o maior dentre as
seguintes referências: salário de um Terceiro Secretário do Itamaraty,
vencimento de um Capitão das Forças Armadas e 20% dos rendimentos de um
Deputado Federal --- em todas as demais esferas, os salários dos professores fiquem
condicionados de forma apropriada a essa referência)?
Que tal transformar o magistério
na melhor carreira dentre as existentes nas depressões, planícies e planaltos
tupiniquins, sem direito a greve e com a possibilidade de demissão daqueles que
não agirem em consonância com a imprescindibilidade, nobreza e grandeza da profissão?
Que tal transformar a formação dos
professores, complementando-a por treinamento continuado em cada ano letivo?
Que tal instituir 230 dias letivos
anuais e não os insuficientes 200 dias atuais?
Que tal adotar 6 horas da aula
diárias em lugar das 4 horas que são praticadas nas escolas públicas (sendo que
não raro esta carga horária é desperdiçada por desqualificação dos professores,
por indigência de gestão e outras causas)?
Que tal alterar os estatutos
jurídicos, formulando processos que punam de forma rápida e contundente os administradores
públicos que contrariarem a tese primacial de prioridade das prioridades para a
Educação?
Enfim, entendo que o talento do
Sr. Schwartzman é necessário e suficiente para iluminar melhor as sendas em que
se situam as discussões em curso, preferencialmente, tratando em outra ocasião
das questões ora levantadas. A esse respeito, enfatizo efusivamente que os
negros, os índios e os pobres (eu sou ou estive um deles) não precisam de
favor, de cotas ou de caracterização de sua gênese, de sua epiderme ou de seu
estado sócio-econômico. Precisam sim de
igualdade de oportunidades para competir, educar-se e ser considerado objeto de
humanismo, decência, justiça, ética e transformação construtiva de seu entorno.
Não tenho a intenção de comparar
as estaturas intelectuais e éticas dos senhores Carvalho e Schwartzman. O que
me impele a pensar e a expressar meu pensamento é o fio condutor comum de três
matérias do exemplar Estadão, que expõem a interdependência entre o
inconformismo com a condenação de uma quadrilha
de malfeitores --- com ênfase para a desqualificação de personagens relevantes
na apuração das sentenças; a pobreza da gestão econômica e a cogitação de
fraudar os dados para mostrar resultado diverso; e a instituição da política de
cotas sociais, raciais e financeiras para acobertar as deficiências do sistema
educacional vigente, agravada pela inépcia em empreender sua transformação.
Na América do Sul e entre os
emergentes BRICS --- se é que se pode alcunhar a China milenar de emergente
---, o Brasil está imerso na poeira deixada por aqueles cuja gestão
governamental não é indigente e nem possuem acólitos para tornar verdades, mentiras deslavadas
pela repetição despudorada destas.
Enfim, democracia resulta do voto
universal, livre e direto; da liberdade de expressão e pensamento, de que me
valho intensamente nesta missiva; do funcionamento adequado e independente dos
três poderes; da evolução do Poder Legislativo com a substituição de práticas
medievais por procedimentos equânimes com as possibilidades de grandeza do povo
patrício; da efetividade do Poder Judiciário; e da alternância da ocupação da
mais alta instância do Poder Executivo.
Por oportuno, aduziria que está
mais do que na hora de o povo brasileiro fazer a opção pela alternância da
ocupação do Palácio do Planalto.