"O lavrador perspicaz conhece o caminho do arado". Homenagem a Oscar Barboza Souto, meu pai, antigo lavrador, garimpeiro e comerciante. In Memoriam. |
Este relato se refere a eventos que vivenciei, não conectados no tempo e no espaço, mas interligados por um fio condutor comum: a luta pela liberdade, desencadeada pelos militares brasileiros e de outros rincões, no combate ao nacional-socialismo, na Segunda Guerra Mundial.
São fatos emblemáticos, cujo conhecimento ocorreu desde a infância até a fronteira do ocaso de minha existência; e cujo registro é motivo de grande satisfação, tanto pela possibilidade de relembrá-los de forma recorrente, como pela justiça de homenagear os personagens extraordinários que contribuíram para que as gerações subsequentes recebessem uma herança rica e dignificante.
Apresento pois a seguinte sequência de ‘minicrônicas’, atinentes à mencionada luta empreendida por heróis que não se atemorizaram diante dos sacrifícios até mesmo da própria vida:
– Sangue, Amor e Neve;
– O Grande Circo;
– O sacrifício do Tenente Amaro;
– Um comandante admirado;
– Praça Rubem Braga;
– Desembarque na Normandia;
– Um brasileiro no Dia D;
– Uma vida diferentes das demais;
– Tenente-Coronel Nestor — o herói secular;
– Tenente-Coronel Nestor — o maior herói brasileiro vivo;
– A liberdade e um mundo melhor; e
– O caminho dos heróis.
Sangue, Amor e Neve
Meu pai Oscar transitou por várias atividades e profissões. Foi madeireiro, garimpeiro, lavrador, comerciante, tabelião do registro civil, juiz de paz e presidente de partido político — uma evolução improvável para quem, na infância e adolescência, se submeteu apenas a dois meses de escolarização. Ele carregava uns poucos livros, que lhe permitiam melhorar a compreensão da vida e do mundo.
Por ocasião de minha primeira infância, morávamos na campanha, numa extremidade da fazenda de meu avô. Nos idos de 1955, meu pai e minha mãe lograram êxito em me alfabetizar e me transmitir as quatro operações aritméticas. Então, meu pai pediu que eu lesse um dos desgastados livros que ele carregava, com o título Sangue, Amor e Neve, de Waldir Magalhães Pires. Essa obra trata da participação da Força Expedicionária Brasileira (FEB), na Segunda Guerra Mundial, na Itália.
Foi em suas páginas que tomei contato com as emblemáticas figuras do Tenente Amaro, do Capitão Pitaluga e do Marechal Mascarenhas de Moraes? Esta indagação reflete a realidade ou se trata da inserção em fatia da memória de fatos assimilados posteriormente?
As respostas são irrelevantes. Aos 7 anos, comecei a ler o livro, inicialmente, soletrando meia página de cada vez. Somente aos 10 anos, concluí a leitura. À exceção dos livros didáticos, foi o primeiro de minha vida. O livro se perdeu na poeira do tempo. Passados mais de 60 anos, procurei-o em livrarias, sebos e bibliotecas; o único exemplar foi encontrado no Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal (IHGDF). Porém, uma boa notícia é que por volta dos meados da década de 1950, foi feita uma versão cinematográfica romanceada de alguns aspectos vivenciados pelo escritor e expedicionário Waldir. Assisti-la é dívida, pois está disponível na Internet.
Por vias improváveis — precocemente, e pela teimosia de meu saudoso pai —, tomei conhecimento da épica participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Por via de consequência e, pela perspicácia e estímulo do ‘velho’, imitei-o na faina de me opor rigorosamente a autoritarismo de qualquer latitude, com ênfase para qualquer socialismo, seja ele o nacional-socialismo (nazismo), o socialismo real (comunismo) ou qualquer outra espécie de doentio socialismo.
Fig. 1. Capa do livro Sangue, Amor e Neve, de Waldir Magalhães Pires [O único exemplar identificado em 20/Nov/2020 encontra-se na Biblioteca do IHGDF] |
Fig. 2. Página interior de um exemplar do livro Sangue, Amor e Neve. |
Depois de concorrido e rigoroso exame de admissão, em 1966, ingressei na Escola Preparatória de Cadetes da Aeronáutica (EPCAr), localizada em Barbacena-MG. Aspirava tornar-me oficial aviador da Força Aérea.
Abraçando a vibração que era a regra naquela escola, todo aluno (pré-cadete como denominados) era estimulado a ler o livro O Grande Circo, de Pierre Clostermann. A razão era simples: Clostermann se tornara um lendário ás da aviação de caça francesa — ainda hoje, o maior daquele país. Na Segunda Guerra Mundial, ao completar 24 anos, ele tinha cumprido cerca de 400 missões aéreas de guerra, com o abatimento de 33 aeronaves germânicas. Sua epopeia era potencializada para os adolescentes, que viviam o sonho da aventura aérea, pelo fato desse francês ter nascido no Brasil e ter aprendido pilotagem aos 16 anos no aeroclube do Rio de Janeiro.
O objetivo de me tornar oficial aviador foi frustrado porque fui reprovado no exame médico, devido à miopia que se desenvolvera nos três anos do ensino médio. Porém, os valores praticados na magnífica escola de Barbacena consolidaram minha forma de encarar o mundo, marcando para sempre minha condição de cidadão e soldado. A leitura da obra de Clostermann e o combate que ele desencadeou contra o nacional-socialismo foram parte do alicerce fundamental para as opções procedimentais da maioria dos jovens que passaram pela EPCAr.
Fig. 3. Livro O Grande Circo, de Pierre Clostermann. |
O sacrifício do Tenente Amaro
Esse oficial da FEB se notabilizou por ter perdido a vida no campo de batalha da Itália em 1945. A morte em combate é a maior prova de bravura; é o cumprimento do compromisso solene de dar a própria vida — se preciso for, em defesa da Pátria — levado ao paroxismo.
Como o Tenente Amaro foi homenageado na AMAN? Existe na Academia algum monumento ou obra de arte sobre ele? Houve alguma palestra sobre História da Segunda Guerra Mundial em que o conferencista se referiu a ele? Alguma “Ordem do Dia” continha referência a sua atitude heroica? O professor de História teria usado a faculdade da justiça para relembrar a dívida que a sociedade contraiu com ele?
O amigo Primo, um dos líderes da Turma Marechal Mascarenhas de Moraes, serviu na AMAN em três ocasiões distintas e está pesquisando para esclarecer os questionamentos ora levantados.
Qualquer que seja o esclarecimento, a memorável Academia do invicto e imorredouro Exército Brasileiro inseriu em nossas mentes a grandiosidade com que o Tenente Amaro se comportou ao cumprir sua última missão. Além disso, estimulou-nos a jamais esquecer o passado, e jamais olvidar gente da estirpe daquele herói de Cavalaria, pertencente ao rol dos construtores do futuro da Nação.
Um comandante admirado
Após a conclusão da graduação em Material Bélico na AMAN, no final de 1972, fui classificado na 4ª Companhia Média de Manutenção, em Campo Grande-MS. Minha nova unidade era subordinada à 4ª Divisão de Cavalaria. O serviço de Oficial de Dia, habitual para aspirantes e tenentes, era tirado no quartel daquele comando superior. Então, afora as questões funcionais da atividade-fim, os oficiais que não pertenciam ao efetivo daquela Grande Unidade acabavam por ouvir comentários sobre a figura do General Plínio Pitaluga que comandara a Divisão em 1971 e 1972.
Por ter participado da Força Expedicionária Brasileira, nos campos de batalha da Itália, como capitão, comandante do Esquadrão de Cavalaria de Reconhecimento, e por seus notáveis atributos pessoais, o agora General Pitaluga era conhecido como uma personalidade extraordinária.
Algumas menções sobre ele incluíam o gosto que tinha pelas aves e animais do Pantanal que ele teria trazido para o aquartelamento — os tuiuiús, pássaros nativos do Pantanal, com até 1,4 m de altura, eram um dos preferidos do comandante que sempre fazia exigências severas sobre o tratamento dos bichanos.
Outro relato dava conta de que, às vezes, o General Pitaluga chegava uma hora mais cedo e ia para o bosque, onde antes do início do expediente, recebia os integrantes do Estado-Maior para o despacho diário. No inverno, em Campo Grande, não raro, a temperatura poderia estar na faixa de 6 a 12 graus; e o comandante se recusava a usar japona de lã. Então, além de madrugar, os oficiais deviam participar da reunião ou da fila para a análise e assinatura dos documentos, da mesma forma que a autoridade, apenas com a blusa de meia manga. A temperatura inferior a 12 graus, agravada pelo vento pantaneiro, exigia disposição hercúlea para, com o tremor inevitável, manter o sorriso, que era uma característica do lendário chefe.
Enfim, é imperioso refletir sobre o impacto de uma experiência anterior no comando de fração no campo de batalha, no exercício da liderança por parte de qualquer comandante. O General Pitaluga tinha o respeito e admiração correlatos por esse incomum atributo.
Fig. 6. Capitão Plínio Pitaluga, Força Expedicionária Brasileira, Itália, 1945. |
Fig. 7. General Plínio Pitaluga, 4ª Divisão de Cavalaria (Campo Grande-MS), 1971. |
Praça Rubem Braga
Por ocasião da chefia da Comissão Regional de Obras da 11ª Região Militar (CRO/11), em Brasília, tive a oportunidade de liderar a elaboração do projeto e construção de 164 casas (Próprios Nacionais Residenciais, no jargão da caserna) no Setor Militar Urbano, localizadas à retaguarda do Batalhão da Guarda Presidencial e demais organizações militares vizinhas.
O projeto e a implantação desse complexo residencial teve aspectos curiosos e diferenciados, que foram objeto de minha sugestão para os escalões superiores (11ª Região Militar e Diretoria de Obras Militares). As propostas foram aprovadas pela 11ª RM e pela DOM. Ademais, houve resposta eficaz por parte dos integrantes da valorosa equipe da Comissão, para a adoção das respectivas ações e procedimentos. Os aspectos em questão são os seguintes:
– as casas para oficiais subalternos eram do mesmo tipo daquelas destinadas para sargentos (uma medida razoável, dado que a opção pela diferença estabelecida em norma não continha qualquer vantagem);
– o conjunto residencial foi concebido com uma área esportiva e uma praça conjugada com a área para escola e outras funcionalidades;
– foram criados 4 tipos de casas, implantadas sucessivamente, cada uma com fachada e telhado distintos (todas com o mesmo padrão e disposição internos), de forma a evitar a estética habitual de vila residencial com unidades rigorosamente iguais;
– a área de cada unidade foi reduzida de 130 para 119 m2 (inicialmente, o escalão superior cogitava reduzir para 90 m2, medida não adotada, pois não resultava no aumento pretendido para a quantidade de unidades); e
– implantação simultânea da infraestrutura, praças e as próprias casas (sem a habitual conclusão destas e depois o início das obras complementares).
Enfim, houve uma benéfica mudança nos procedimentos tradicionais de implantação de conjuntos de PNR.
Por ocasião da conclusão das obras, o então Ministro do Exército, General Zenildo Zoroastro de Lucena demonstrou muita satisfação com o desempenho e o resultado alcançados e, por essa razão, transmitiu duas decisões:
- a inauguração seria com a presença de elevado contingente de autoridades militares, civis, bem como de oficiais e sargentos de todos os postos e graduações (um expressivo número de Oficiais Generais, Senadores e Deputados participaram do evento); e
- a obra englobaria as seguintes denominações atinentes a três personagens históricos:
(i) Conjunto Residencial Gilberto Freire — homenagem ao pernambucano conterrâneo do ministro, considerado um dos maiores escritores brasileiros;
(ii) Praça Esportiva Cora Coralina — deferência à poetisa de proa da literatura brasileira, oriunda do Centro Oeste brasileiro;
(iii) Praça Rubem Braga — tributo ao escritor que acompanhou a FEB e brindou a posteridade com um inexcedível conjunto de crônicas sobre a luta pela liberdade na Itália.
Ressalte-se pois que, em um evento logístico rotineiro, o Ministro Zenildo cuidou de fazer jus ao escritor Rubem Braga, que cumpriu o indelével dever de inserir na história o registro das ações da Força Expedicionária Brasileira que, em seu tempo, condicionaram o presente e depois colaboraram para o enriquecimento do futuro.
Fig. 8. Rubem Braga (2013-1990) — o maior cronista brasileiro do século XX. |
Fig. 9. Pç Rubem Braga, SMU, Brasília-DF. |
No dia 6 de junho de 1994, eu estava em Paris. A capital francesa estava em festa. Os 50 anos do Dia D, como aquela operação ocorrida em 6 de junho de 1944 ficou conhecida, eram comemorados efusivamente. Constatava-se uma alegria incontida das pessoas, de “mamando a caducando”. As bandeiras tremulavam nas ruas, em quase todas as casas residenciais e comerciais. Ao longo do dia, a programação de TV apresentou cenas do Dia D e de cerimônias em vários locais associados com o épico desembarque de tropas aliadas, que se deu nas praias francesas de Omaha, Utah, Gold, Juno e Sword. Foi a maior operação de desembarque anfíbio da história da humanidade, envolvendo americanos, britânicos, franceses, canadenses, australianos, neozelandeses, poloneses e outras nacionalidades.
As notícias de TV deram conta de que a sequência de eventos comemorativos foi iniciada na primeira hora da manhã em Point du Hoc (uma posição de artilharia fortificada, com 5 casamatas para peças de 155 mm, que se destinam à defesa da praia de Omaha), com a presença do presidente francês François Miterrand e do presidente americano Bill Clinton. Em seguida, os dois se deslocaram para Utah. Mais para o meio da manhã, no cemitério britânico de Bayeux (primeira cidade libertada por ocasião do desembarque, situada nas proximidades das praias de Gold e Sword), estiveram presentes o presidente Miterrand, acompanhado da rainha Elizabeth II, do Reino Unido, e do rei Harald IV, da Noruega. Ao meio dia, 17 chefes de Estado e de Governo, representando 11 países Aliados, estiveram na mais esplendorosa celebração, em Omaha. Ao final da tarde, em um dos últimos eventos, a rainha Elizabeth II se reuniu com 7000 veteranos ingleses no Memorial de Caen.
A história da luta pela liberdade e pela prevalência dos valores civilizacionais foi lembrada de forma intensa, bela e épica. Estar na França, em missão oficial — que incluiu eventos nas cidades de Toulouse, Saint Yrieux, La Rochelle, Reims e na própria capital francesa — foi um ocasião profissional extraordinária. Estar em Paris nas comemorações de O Mais Longo dos Dias foi um privilégio inexcedível.
Fig. 10. Desembarque na Normandia – 156.000 Aliados. [Fonte: https://www.istoedinheiro.com.br/franca-prepara-homenagens-pelo-75a-aniversario-do-desembarque-na-normandia/, consulta em 27/Nov/2020]. |
Fig. 11. Desembarque na Normandia – 34.000 Aliados em Omaha. |
No primeiro semestre de 2006, um jornal carioca divulgou que Pierre Clostermann — que participou da operação aérea associada com o dia D — morrera na França. A notícia mencionou também que o baterista João Barone da banda 'Paralamas do Sucesso' havia feito um filme com homenagem ao herói francês, nascido no Brasil.
Consegui o magnífico filme do Barone — denominado Um Brasileiro no dia D. A homenagem era para Clostermann e também para o pai de Barone que fora combatente da FEB na Itália.
A obra é iniciada com o embarque do baterista, com seu inefável Jeep, oriundo da Segunda Guerra Mundial, por via aérea, tendo como destino a França. O objetivo foi percorrer os principais locais do desembarque na Normandia, ocorrido no dia 6 de julho de 1944, quando os Aliados iniciaram a epopeia para derrotar o nacional-socialismo germânico. Outra meta da histórica viagem foi, ao lado de Oficiais Generais Brigadeiros, a entrega para Clostermann de uma medalha da Força Aérea Brasileira.
Assisti ao filme com enorme satisfação e emoção. Tinha que ser assim. As lembranças dos combates aéreos relatados por Clostermann no livro O Grande Circo — inclusive da batalha aérea do Dia D — e das celebrações de 50 anos do desembarque na Normandia avivaram-se na memória. Com certeza, o Barone é um grande músico, um grande filho e também um cidadão com enorme consciência da importância da história para a formação da cidadania e da preservação dos valores civilizacionais.
Fig. 12. Filme Um Brasileiro no Dia D [Homenagem a João de Lavor Rios e Silva e a Pierre Clostermann, por ocasião dos 60 anos do desembarque na Normandia]. |
Fig. 13. Barone com seu pai, combatente da FEB, João de Lavor Reis e Silva (2017-2000). |
Fig. 14. Brigadeiro Moreira Lima, aviador combatente da FEB, encontra Pierre Clostermann em Perpignan, no sul da França. |
Uma Vida Diferente das Demais [1]
Em 2007, eu chefiava o Centro Tecnológico do Exército (CTEx) e tive que interagir com um diretor da empresa europeia MBDA (Matra, BAe Dynamics e Alenia), do setor de armamentos e mísseis, para rescindir a parceria contratual para o desenvolvimento conjunto de um míssil (à época da formalização do contrato, os parceiros eram o Exército Brasileiro e empresa italiana, que depois foi absorvida pela MBDA). O projeto estava parado há mais de cinco anos porque as duas partes deixaram de ter interesse mútuo. Cerca de sessenta milhões de reais (em valores corrigidos para 2007) foram despendidos e o empreendimento estava fadado ao insucesso e à perda total por causa da pendência contratual. Com a atuação eficaz da equipe do CTEx foi possível trazer o diretor da MBDA ao Brasil para solucionar o contencioso jurídico.
Entre os assessores do empresário francês da MBDA estava presente o Jean Pierre, um franco-brasileiro filho de pai francês e mãe brasileira. Comentei com ele que há muito tempo eu lera um livro escrito por outro franco-brasileiro, com paternidade similar. Referia-me ao livro O Grande Circo, do Clostermann — já mencionado nestas memórias, sendo agora as informações sobre ele ampliadas. Ele prontamente me corrigiu e disse que o herói francês era nascido no Brasil, mas o pai e a mãe eram franceses. Eles estavam aqui porque o pai estava em missão diplomática. Ele perguntou como era o meu francês; respondi que me comunicava minimamente e lia com alguma eficácia nesse idioma. O diálogo se encerrou. Dois meses depois, recebi uma encomenda internacional enviada pelo Jean Pierre. Ele me presenteou com dois livros em francês: Le Grand Cirque 2000, uma versão ampliada de O Grande Circo; e Une Vie Pas Comme les Autres sendo este o décimo primeiro escrito por Pierre Clostermann.
Ele nasceu no Brasil em 1921 e aqui permaneceu até completar cinco anos. Em seguida foi para a França. Em 1937, aos dezesseis anos, retornou ao Brasil e fez o curso de pilotagem no Aeroclube do Rio de Janeiro. Após o recebimento de brevê de piloto, Clostermann seguiu para a Califórnia, nos Estados Unidos, para cursar Engenharia Aeronáutica e pilotagem comercial. Em 1940, ele tomou conhecimento do apelo do General Charles de Gaulle, que não aceitou a rendição e parceria da França com o regime nazista (formalizada pelo chamado governo de Vichy, presidido pelo General Pétain) e organizou as Forças Francesas Livres para lutar pela derrota do nazismo.
Estimulado por seu pai, combatente da Primeira Guerra Mundial, Clostermann, que acabara de concluir o curso de Engenharia e de obter a certificação de piloto comercial na Califórnia, dirigiu-se para o Brasil, trabalhou no jornal O Correio da Manhã, durante três meses, e depois deslocou-se para o Uruguai, onde tomou um navio e foi encontrar-se com De Gaulle em Londres. Ele ingressou na Força Aérea Livre e na Real Força Aérea Britânica. Aos 24 anos, ele se tornara o maior piloto de caça da História francesa.
Em 1945, coberto de honrarias, ele se desmobilizou da Força Aérea da França. Aos 24 anos, tinha sobrevivido a 400 missões de guerra na aviação, totalizando 600 horas de voo e 33 vitórias aéreas (vale dizer, 33 aviões inimigos abatidos por ele). Aos 25 anos, foi eleito deputado pela Alsácia. Subsequentemente, combateu por 18 meses na Argélia como piloto de caça. Conforme consta do livro Le Grand Cirque 2000, ele
“Reelegeu-se outras oito vezes para ocupar um assento no Parlamento. Demitiu-se quando da morte do General de Gaulle. Industrial de talento, fundou uma fábrica, a Reims-Aviation, que construiu mais de 5 mil aviões de turismo. Foi vice-presidente da Cessna nos EUA, a líder mundial na produção de aviões leves, e ocupou também um cargo de administrador na Renault e na Avions Marcel Dassault.”
Seu último livro pode ser sintetizado em três vertentes fundamentais: a guerra, relembrada em seus aspectos essenciais; a pesca, uma de suas paixões; e os amigos, que cultivara com proficiência — entre outros, Romain Gary [2], Ernest Hemingway e Charles de Gaulle (este talvez não exatamente um amigo, mas uma extraordinária referência). Não esqueceu o Brasil, tratado em dois capítulos, com extrema simpatia. Talvez, uma das passagens mais extraordinárias seja o relato da morte do General de Gaulle. Inicialmente, assevera que essa passagem, ele a registrou em seu caderno de anotações para se lembrar mais tarde, com clareza, das horas de dor.
“De Gaulle morreu ontem. Eu chorei. Por minha perda ou pelo fim de qualquer coisa que ainda me assombra? Como asseverou Roman Gary, amigo e camarada da Ordre da la Libération, em Time USA: ‘Um velho homem se foi, levando consigo nossa juventude. ( .... ) — essa juventude que nós lhe entregamos voluntariamente em Londres.’ ”
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[1] Este texto é a reprodução de parte de um artigo anteriormente publicado no blog ‘ribeirosouto.blogspot.com’ com o título “Memórias – Um brasileiro no dia D e os brasileiros na Itália”.
[2] Roman Gary, lituano naturalizado francês, foi piloto de caça da França na Segunda Guerra Mundial, ao lado de Pierre Clostermann. Após a guerra, Gary tornou-se cineasta, diplomata e escritor. Ele é um dos roteiristas do filme O Mais Longo dos Dias e foi casado com a atriz Jean Seberg.
Gary é o único escritor a ganhar o Prêmio Goncourt — o principal prêmio da literatura francesa — duas vezes. Essa láurea só pode ser dada uma única vez para o mesmo escritor. Ele ganhou duas vezes porque escreveu La Vie Devant Soi sob pseudônimo.
Em ocasiões distintas, a belíssima e talentosa Jean Seberg e o extraordinário guerreiro e intelectual Roman Gary deram fim às próprias vidas, suicidando-se.
No isolamento da pandemia do coronavírus, tenho visto muitos filmes. Ao assistir o recente Rosa e Momo, com Sofia Loren, e observar os créditos da obra, dei um salto na poltrona. Esse filme é baseado no livro La Vie Devant Soi, de Émile Ajar, o pseudônimo com o qual Roman Gary ganhou o segundo prêmio Goncourt.
As seguintes curiosidades são relevantes:
i) Em 1957, aos 23 anos, Sofia Loren conquistou Hollywood e foi contratada pela Paramount Pictures — dessa época, vale destacar o impacto de uma foto, em que ela aparece completamente nua, de pé e de frente; por certo, o grego da ilha Milo a esculpiria com deleite, e nós asseveraríamos: "Pobre Vênus de Milo!";
ii) O filme Rosa e Momo é um 'remake' do filme Madame Rosa – A Vida à Sua Frente, lançado na França em 1977;
iii) O diretor do filme Rosa e Momo é Edoardo Ponti, filho da Sofia Loren com o cineasta italiano Carlo Ponti.
Fig. 15. Livros Le Grand Cirque 2000 e Une Vie Pas Comme les Autres, de Pierre Clostermann. |
Tenente-Coronel Nestor da Silva — o herói secular
Há mais de 10 anos, na sexta-feira da última semana de cada mês, os integrantes da Turma Marechal Mascarenhas de Moraes da AMAN (formada em 1972), se reúnem no Clube do Exército do Setor Militar Urbano, em Brasília, para o almoço e para o fortalecimento da camaradagem e da amizade entre os irmãos de arma.
Na reunião do dia 30 de junho de 2017, celebramos o aniversário de um convidado muito especial: o Tenente-Coronel Nestor da Silva, participante da Força Expedicionária Brasileira, na Itália, em 1945. Ele é pai de nosso colega de turma, Coronel Nestor, de Cavalaria. Dentro de poucos dias, o valoroso expedicionário estaria completando 100 anos de sua exemplar existência.
O colega Simões Junior — destacado líder da turma e um dos responsáveis pelo planejamento das reuniões mensais — solicitou-me que eu dirigisse as palavras de homenagem ao Tenente-Coronel Nestor. Aceitei a indicação e com muito entusiasmo fiz minha modesta saudação. Não me lembro das palavras precisas que dirigi aos presentes, mas faço um esforço para interpretar o que transmitira naquela ocasião.
Nesse contexto, lembrei os feitos heroicos do então Sargento Nestor no desencadeamento das operações. Notadamente, por ocasião da batalha de Montese, o comandante de Pelotão foi morto em combate e o Sargento Nestor portou-se com exemplar iniciativa e invejável compromisso com a missão, assumindo o comando do Pelotão e contribuindo de forma decisiva para a vitória em uma das mais importantes batalhas da FEB na Itália.
Com muita ênfase, mencionei que por volta da meia noite, o Sargento Nestor recebeu um telefonema do então General Mascarenhas de Moraes, em que fora informado de sua promoção a oficial, por bravura, uma das mais extraordinárias e raras formas de um graduado ascender ao oficialato. Salientei pois que o agora Tenente-Coronel Nestor se constituía num magnífico exemplo, não apenas para seus familiares e pessoas próximas, mas também, perante a história, para seus conterrâneos de todos os tempos.
Encerrei minha saudação, acrescentando que naquele momento vivenciávamos um momento especial: estávamos tendo a honra e o privilégio de homenagear um militar que fora promovido pelo Marechal Mascarenhas de Moraes, patrono de nossa turma.
Não sei se declarei — mas, em caso contrário, deveria tê-lo feito —, estávamos diante de um bravo, de um notável brasileiro, de um herói da humanidade, cujo heroísmo contribuiu para a vitória contra o autoritário e hediondo nacional-socialismo germânico.
Fig. 16. Tenente Nestor da Silva, 1947. |
Fig. 17. Tenente-Coronel Nestor da Silva, agradecendo a homenagem realizada pela Turma Mascarenhas de Moraes, por ocasião de seu centésimo aniversário. Clube do Exército, SMU, Brasília-DF, 2017. |
Tenente-Coronel Nestor da Silva — o maior herói brasileiro vivo [3]
Tenho a honra e o privilégio de acrescentar uma segunda 'minicrônica' sobre o Tenente-Coronel Nestor, lavrada por ocasião de seu 103º aniversário.
O Tenente-Coronel Nestor Silva, é pai do Coronel Nestor, de nossa querida turma formada na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), em 1972, e cujo Patrono é o Marechal Mascarenhas de Moraes — Comandante da Força Expedicionária Brasileira (FEB), integrada por mais de 25.000 militares que participaram da Segunda Guerra Mundial na Europa.
Em uma brilhante entrevista divulgada em vídeo, em março de 2020, o Tenente-Coronel Nestor — que no próximo mês de julho completará 103 anos — narra a memorável epopeia da tomada de Montese, na Itália, em 1945, cujo protagonista fundamental fora ele próprio. Ele participou também das batalhas de Monte Castelo e Castelnuevo; e comandou 18 patrulhas nas linhas inimigas.
Na noite da tomada de Montese, em 14 de abril de 1945, o Marechal Mascarenhas de Moraes telefonou para o então Sargento Nestor, comunicando-lhe a promoção a Tenente por sua incomparável bravura em uma das mais difíceis operações da FEB na Segunda Guerra Mundial.
A batalha de Montese é um dos marcos do fim da guerra na Itália, no âmbito da participação brasileira na vitória Aliada em maio de 1945 na Europa; e contribuiu portanto para a derrota do nazismo, hedionda ideologia que colocou em risco a civilização Ocidental, vocacionada para a paz e para a democracia.
Dúvida não resta, o Tenente-Coronel Nestor é o maior herói brasileiro vivo.
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[3] Uma versão desta ‘minicrônica’ foi postada no Facebook em 16/Mar/2020, a propósito da entrevista concedida pelo Tenente-Coronel Nestor para o jornalista Alexandre Garcia.
Fig. 18. Tenente-Coronel Nestor da Silva, por ocasião da entrevista com o jornalista Alexandre Garcia, Brasília-DF, 2020. |
A liberdade e um mundo melhor
No monte de livros em destaque da Livraria Cultura, do Shopping Iguatemi, neste complexo e pandêmico ano de 2020, havia um exemplar especial, as Crônicas da Guerra na Itália, de Rubem Braga. Não hesitei um momento sequer; adquiri a preciosidade.
Valeu a pena! Aos 7 anos, tive as primeiras informações sobre a participação da FEB na Segunda Guerra Mundial, com a leitura do livro Sangue, Amor e Neve. Ao ultrapassar 70 anos, revivo as passagens mais relevantes da luta contra o autoritarismo nazista, com as crônicas da epopeia brasileira na Itália em 1945.
O que eu destacaria do magnífico relato do relator da liberdade? Dentre tantos atos de heroísmo, minha opção se dirige para a crônica O Tenente Amaro. Sinto-me compelido a reproduzir um trecho do discurso do então Capitão Pitaluga, comandante do Esquadrão de Reconhecimento, num momento crucial de sua jornada italiana que, com grande perspicácia, Rubem Braga nos ofereceu:
“— Anteontem, dia 4 de abril, fui a Pistoia com um tenente e 12 praças assistir ao sepultamento do Tenente Amaro Felicíssimo da Silveira. Todos vocês conheceram o Tenente Amaro e sabem como ele morreu.
Ele veio para a FEB como voluntário. Afastado da relação de embarque, fez tudo para ser incluído. Aqui, trabalhando como meu auxiliar na Manutenção, ele insistiu em ir para um Pelotão. Queria as missões mais difíceis, queria estar com vocês nas horas e nos momentos de maior perigo.
Morreu à frente de uma patrulha, no cumprimento do dever. Que a sua morte, e a morte de tantos outros companheiros da FEB, não seja em vão. O Tenente Amaro era um verdadeiro democrata. Era um homem que odiava o nazismo e toda espécie de fascismo, e achava de seu dever lutar por um mundo melhor. Que a sua morte sirva para ajudar a criação, para nós ou nossos filhos, de um mundo melhor, um mundo de justiça e de solidariedade.
Despedindo-me dele à beira do túmulo, eu disse, em nome de nós todos, que a lembrança do seu exemplo há de nos encorajar na luta, vem nos trazer mais um motivo para lutar, com todas as forças, contra o nazismo, pela liberdade. Em homenagem ao Tenente Amaro, um minuto de silêncio!
As palavras do então capitão Pitaluga sintetizam a essência do objetivo da luta dos integrantes da Força Expedicionária Brasileira na Itália: a derrota do nazismo e a prevalência do sistema democrático no Brasil e no mundo.
Relembrar as ações heroicas do Tenente Amaro, do Capitão Pitaluga e do Marechal Mascarenhas de Moraes — cantadas aos quatro ventos no compêndio Sangue, Amor e Neve, por Waldir Magalhães Pires, e potencializadas nas Crônicas da Guerra na Itália, por Rubem Braga — significa a certeza de que os valores, as crenças e os ideais abraçados na infância, com o estímulo de meus pais, e consolidados e aperfeiçoados na interação com os companheiros, instrutores e chefes militares condicionam a arquitetura necessária para a busca de um mundo melhor.
Fig. 19. Livro Crônicas da Guerra na Itália, de Rubem Braga. |
O caminho dos heróis
Conspira contra sua própria grandeza, o povo que não cultua seus feitos heróicos! [4]
Ao escrever a ‘minicrônica’ sobre o João Barone, realizei pesquisa para identificar seu nome completo e, assim, encontrei um magnífico filme documentário, contendo o relato da viagem ao longo das principais vias onde transcorreram as operações da FEB na Itália. Em 2014, por ocasião da celebração dos 70 anos da entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, o Barone e alguns amigos criaram o chamado Grupo Histórico FEB – 6º Escalão, cujo objetivo era conhecer o caminho dos heróis da FEB.
Para os deslocamentos na Itália, foram levadas dois Jeeps, ambos cópias de viaturas utilizadas pela FEB na campanha italiana. O primeiro do João Barone, cujo pai foi expedicionário da FEB — João de Lavor Reis e Silva, 1º Regimento de Infantaria, “Regimento Sampaio”. O outro de Adolfo Paiva, também filho de combatente da FEB — Aydo Martins, 9º Regimento de Engenharia.
A missão se tornou realidade e após o desembarque em Milão, a comitiva seguiu para Montese, para encontrar os Irmãos da Montanha, grupo histórico formado por italianos dedicados ao resgate da Força Expedicionária Brasileira, liderado por Giovanni Sulla (arqueólogo militar). Em sua casa, Sulla tem uma espécie de museu, com objetos (armas, munições, equipamentos, uniformes e outros) colhidos no campo de batalha, com ênfase para aqueles relacionados com a participação dos brasileiros.
Após a visita a esse histórico local, os brasileiros e italianos, pertencentes aos dois grupos, deslocaram-se para a Linha Gótica, a cavaleiro dos Apeninos, onde os alemães estavam encastelados antes da chegada da FEB na Itália.
Em Gas de Montano, os visitantes foram recebidos pelo Adido do Exército, Coronel Milton Sils e participaram de uma cerimônia no Monumento aos Mortos em Combate. Em seguida, dirigiram-se para a prefeitura de Porreta Terme, uma antiga estação termal romana, onde no outono de 1944 se localizou o quartel-general do General Mascarenhas de Moraes. Com entusiasmo, o prefeito dessa acolhedora localidade demonstrou satisfação e reconhecimento histórico pelos feitos da FEB.
A parada seguinte da comitiva foi nas proximidades de Montese, em cuja região, na primavera de 1944, o Sargento Max Wolf foi morto durante uma patrulha.
Em seguida, houve o deslocamento para Parma, com visita ao belíssimo Palácio Ducale. Nessa cidade, houve contato com cidadãos locais e foram lembrados os 'Partigianni', os membros da resistência italiana, que proporcionaram relevante apoio aos combatentes da FEB.
Um dos mais emocionantes episódios da viagem foi a visita ao Monumento Votivo de Pistoia e ao antigo Cemitério de Pistoia, que abrigou os brasileiros mortos em ação. Com o traslado, em 1960, dos restos mortais dos brasileiros de Pistoia para o Rio de Janeiro, naquele local, foi criado, em 1967, o Marco ao Soldado Desconhecido Brasileiro.
Em Pistoia, foi entrevistado o Sr. Mário Pereira. Ele é filho do combatente da FEB, que após a guerra permaneceu na Itália e acabou por assumir a atribuição de cuidar do cemitério de Pistoia; o que fez durante dois anos, até falecer. Seu filho Mário herdou essa atribuição e transmite entusiasmo e emoção ao relatar suas atividades.
Depois, a comitiva dirigiu-se para Stafolli, antiga reserva de caça do rei Vitor Emanuel III. Em 1944/45, essa localidade, afastada das regiões do campo de batalha, sediou o acampamento brasileiro, chamado Depósito de Pessoal. Em Stafolli, o destaque foi uma gruta de pedra, construída pelos brasileiros para reuniões e celebrações de missa. Giovanni Sulla recuperou esse local, a que ele chamou de o único monumento construído pelos próprios brasileiros durante a guerra.
A etapa seguinte foi a passagem por Fornovo de Tavio e Collechio, na planície do rio Pó, região que abrigava as cidades industriais italianas mais importantes. A comitiva chegou a Pontescodogna, com direito a extensa descrição, dado que em 28/Abr/1945, nessa região, a 148ª Divisão alemã (uma divisão inteira) e um restante de forças fascistas italianas se renderam à FEB. Foi colhido o relevante testemunho de Giovanni Ficai, filho de Paolo Ficai. Paolo e o padre Dom Alessandro Cavalli, da igreja de Neiviani dei Rossi, intermediaram as negociações para a rendição, entre o comando brasileiro e o comando da 148ª Divisão.
Em Livergnano, nas proximidades de Bolonha, o Tenente Richardson Cordeiro e Silva foi o primeiro aviador morto em combate. No local da queda de seu avião, tem um monumento para relembrar seu heroísmo. A comitiva prestou homenagem aos heróis do 1º Grupo de Aviação de Caça, historicamente referido como Senta a Pua.
Uma vez mais, Montese aparece no documentário, a par de sua relevância no conjunto das operações da FEB. A conquista dessa cidade compreendeu luta casa por casa, com mais 60 combatentes mortos. A torre medieval que foi usada como observatório pelos nazistas abriga um museu com homenagem à FEB.
O documentário trata da mais importante batalha da FEB na Segunda Guerra Mundial — a tomada de Monte Castelo. A subida a pé pelos visitantes permite avaliar as dificuldades encontradas nas quatro tentativas de desalojar os tedescos daquele estratégico objetivo militar, sendo as primeiras durante o rigoroso inverno italiano. A vitória foi consumada em 21/02/1945, com a perda de 98 combatentes, desde a primeira operação para a conquista do monte.
O momento culminante da viagem foi a colocação, no topo de Monte Castelo, de uma urna de mármore, contendo mensagens levadas do Brasil, encapsuladas em uma antiga munição de 105 mm, supostamente usadas em combate na Segunda Guerra Mundial. Uma delas, talvez a mais significativa, foi a do Aydo Martins — expedicionário e pai do proprietário do segundo Jeep — que foi lida no momento solene de colocação da urna no local:
“Para alguém no futuro. Hoje o nosso querido Brasil vive em paz, mas se dias difíceis vierem, não se acovardem, sejam corajosos! Aydo, Rio de Janeiro, 2009. A cobra continuará fumando!”
É imperioso e oportuno, transcrever as palavras proferidas de improviso — e com inexcedível emoção — pelo João Barone, por ocasião da colocação da urna de mármore sobre o topo de Monte Castelo. Ei-las:
“A gente passou os últimos meses esperando ansiosamente este momento de chegar aqui na Itália e prestar nossa homenagem à memória da FEB e de todo mundo que participou da Segunda Guerra Mundial; dos vivos e dos não vivos. Durante muito tempo, a gente passou pensando sobre a ameaça da história da FEB e do Brasil na Segunda Guerra Mundial ser esquecida. Eu acho que depois de a gente ter chegado aqui e visto tudo que a gente viu, presenciado tudo o que a gente presenciou, a gente pode ficar tranquilo que essa história jamais vai ser esquecida! ... Jamais!”
Na Europa, a FEB era a única força miscigenada e não segregacionista. É curioso e paradoxal constatar que essa circunstância favorecia os contatos dos brasileiros com os italianos.
A presente descrição, parcial, incompleta e limitada, não frustra a conveniência e a relevância de se assistir ao filme, rico em imagens atuais e intercalado com trechos da guerra real, filmados em 1944 e 1945. O enriquecedor documentário do João Barone permite confirmar a grandeza desse músico e devotado admirador e preservador da história da participação brasileira na maior operação militar da história da humanidade. Essa obra é uma apologia da meritória luta pelos valores maiores da civilização — a liberdade, a verdade, a coragem e a ética.
[Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=LNG437MB0KI, consulta realizada em 22/11/2020]
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[4] Frase contida em um cartaz existente no escritório do Sr. Mário Pereira, filho de um expedicionário da FEB e administrador do Cemitério Brasileiro de Pistoia. Citação de Gabriel Henrique Garcia, em Roteiro da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Itália, conforme https://www.forte.jor.br/2014/09/27/roteiro-da-forca-expedicionaria-brasileira-feb-na-italia/, consulta em 27/Nov/2020.
Fig. 20. Roteiro e outros dados da FEB na campanha da Itália. [Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Campanha_da_Itália, consulta em 27/Nov/2020] |
Fig. 21. João Barone, baterista dos 'Paralamas do Sucesso'. |
Fig. 22. Um integrante da comitiva do Grupo Histórico FEB. |
Fig. 23. Grupo Histórico FEB no início da expedição O Caminho dos Heróis. |
Epílogo
Nesta coletânea de ‘minicrônicas’, foram apresentados episódios resultantes da participação brasileira no maior conflito da humanidade — a Segunda Guerra Mundial. Nessa conflagração, o objetivo foi desbaratar o nefasto nacional-socialismo — isto é, o nazismo —, impedir que o autoritarismo imperasse em qualquer lugar e criar uma ordem mundial em que houvesse a prevalência do sistema democrático no Brasil e no mundo.
O objetivo foi plenamente atingido, porém, é razoável mencionar que outro autoritarismo hediondo vicejou nas lutas empreendidas com enormes sacrifícios humanos — o socialismo real ou, simplesmente, comunismo — que causou terríveis danos em todas as latitudes onde prosperou. Curiosamente, essa nova forma hedionda de lidar com a realidade naufragou por seus próprios vícios.
Retomando a ordem natural constante da proposta inicial destas memórias, há que ressaltar o fato de que a luta empreendida por tantos heróis oriundos de todos os quadrantes do mundo estimulou a reflexão sobre os objetivos primaciais do ser humano, qual seja — e aqui se repetem, de forma excessivamente recorrente, ideias constantes de outros textos de minha lavra — a busca da paz e da harmonia, por intermédio do único instrumento adequado, que é a democracia, a qual, por seu turno, se alicerça em quatro fundações essenciais: a liberdade, a verdade, a coragem e a ética.
Por fim, é imperioso salientar que uma das motivações para esta memória é o pertencimento à turma cujo nome é uma homenagem ao Comandante da Força Expedicionária Brasileira, que atuou em defesa da liberdade na Itália. Essa denominação poderia ser considerada um dos fatores que contribuem para o sentimento que norteia todos os integrantes da turma. Outro fator é a consciência de que, em face das limitações oriundas da condição humana, todos nos tornamos fortes e bravos quando há a prevalência da camaradagem, fraternidade e amizade —