A matéria Dilma diz que não se deixará
‘intimidar por xingamentos’ (Estadão de 14 de junho de 2014) estimula a
reflexão esportiva e a reflexão política. A primeira permite o prenúncio de
tempos bons. O que a segunda reflexão prenuncia depende da maturidade do povo
brasileiro.
A Copa do Mundo de 2014 foi
iniciada no estádio Itaquerão, na capital paulista, com o jogo do Brasil contra
a Croácia. O Brasil venceu por 3 x 1. O jogo foi complicado, com a Croácia
fazendo o primeiro gol e sofrendo o empate ainda no primeiro tempo --- gol do
estreante em Copa do Mundo Neymar, depois de excelente passe do também
estreante Oscar. No segundo tempo, o jogo continuou complicado, Oscar fez um lançamento para Fred, que caiu na área croata e o juiz marcou um pênalti inexistente. Neymar
bateu a falta e a seleção canarinha virou o jogo. Quase ao final da partida,
Oscar em mais uma excelente jogada decretou o placar final. Qualquer que seja o
final do campeonato mundial, do ponto de vista esportivo --- fechando os olhos
com a facilidade japonesa para o que o japonês fez ---, a primeira impressão
foi excelente.
Do ponto de vista político, do
exemplo que cada estadista deve para seus súditos e da condução da coisa
pública, ficou lição emblemática. A presidente da República Dilma Roussef
chegou ao estádio discretamente e não fez o tradicional discurso de abertura do
certame. Ela temia ser vaiada. Quando a torcida percebeu sua presença, não
apenas vaiou, mas entoou um coro de impropérios com palavras de baixo calão.
Uma parcela de formadores de opinião condenou a atitude de quem mostrou sua
indignação com o estado de coisas que caracteriza o atual governo. A condenação
das ofensas se alicerçou em variados argumentos e especialmente em alguns
interesses inequívocos.
Há razões para as ofensas?
Trata-se de polêmica difícil de ser dirimida; trata-se de controvérsia a ser
pensada, refletida, debatida e submetida aos ditames da consciência ética e
moral.
Há ofensa à família do militar
Mário Kozel Filho, quando, na década de 1970, uma equipe de terroristas
treinados em Cuba lançou a bomba que o matou.
Existe ofensa às crianças
brasileiras que não têm condições de frequentar escolas de qualidade
satisfatória, quando um político é flagrado com a inclusão em seu currículo,
antes de eleição presidencial, do título
de doutor, sem ter sequer concluído o curso de mestrado.
Constitui ofensa aos brasileiros que são
privados de moradia, saúde, educação e segurança, o apoio a candidato à
presidência da República, por parte dos integrantes da quadrilha do Mensalão e
o consequente desvio de recursos que deveriam ter sido empregados nas atividades
essenciais de responsabilidade do governo. Lembrando, por ênfase, que os
meliantes foram julgados e sentenciados à prisão por crimes de desvio de
recursos financeiros, corrupção, formação de quadrilha --- sendo este
inexplicavelmente descaracterizado pela Suprema Corte ---, lavagem de dinheiro
e outros crimes contra a sociedade brasileira.
Há ofensa aos brasileiros que
vivem e trabalham submetidos à decência, à justiça e à ética, quando se nomeia
uma comissão da verdade para tratar de crimes cometidos na década de 1970 por
integrantes dos órgãos de repressão, deixando de fora os crimes cometidos por
aqueles que queriam implantar o comunismo no Brasil. Em realidade, essa
comissão é da meia verdade e portanto é da meia mentira; e como não existe meia
gravidez nem meia mentira nem metades similares, a comissão é da mentira
inteira; apenas!
Existe ofensa aos brasileiros que
passam fome quando ocorre a aprovação, por autoridade do Conselho Superior da
Petrobras, da compra de refinaria nos Estados Unidos, com prejuízo de mais de
um bilhão de reais para a companhia petrolífera brasileira; na aprovação da
construção em parceria com caudilho venezuelano (que descumpriu seus
compromissos no acordo) de refinaria em Pernambuco, e também na aceitação de gastos
de recursos públicos para cobrir prejuízos relativos à majoração do orçamento
desse empreendimento em mais de vinte vezes.
Constitui ofensa aos brasileiros, a
formalização e implementação do programa Mais Médicos com o governo de Cuba ---
uma ditadura excrescente ---, com o pagamento de menos de 20% para os médicos
que vieram daquele país para o Brasil e com a destinação da diferença para
financiar obras dos ditadores do Caribe. Não devendo ser esquecido que os males
da assistência médica no País estão estruturados em má gestão, desperdício dos
recursos empregados, corrupção e terríveis falhas da infraestrutura de
atendimento. Podendo-se asseverar que médicos mal formados --- e também os não
médicos que vieram a tiracolo --- jamais resolverão os problemas de saúde
brasileiros.
Há ofensa aos brasileiros na
ampliação da famigerada política de cotas educacionais para negros e índios em
substituição a escolas de boa qualidade que certamente levaria esses
beneficiados ao desenvolvimento educacional com grandeza, dado que submetidos
ao regime da meritocracia.
Constitui ofensa aos brasileiros
despossuídos, a implementação da famigerada política de bolsa família --- uma esmola
de R$ 100,00 a R$ 300,00; e uma forma disfarçada da compra de votos e
perpetuação no Poder. Uma prática e uma filosofia política de qualidade
ofereceria possibilidade de trabalho de que resultasse ganhos, por exemplo, de
R$ 1000,00 a R$ 3000,00 --- uma forma de sobrevivência alicerçada no mérito, na
produção e sobretudo na dignidade da pessoa humana. Obviamente os corruptos, os
desonestos e os maus afirmarão que esse intento é impossível.
Existe ofensa aos brasileiros no
fomento de divisões de toda ordem em nosso país --- ressalte-se que na quadra
atual autoridades não raro estimulam a divisão de raça, de estado econômico e
várias outras mais.
Há ofensa aos brasileiros na
declaração, de forma recorrente e despudorada, de que a economia vai bem,
quando é fácil perceber que, na atualidade, o Brasil se posiciona entre os
países da América do Sul com pior desempenho; e, se comparados aos BRICs, o
Brasil é inequivocamente o país como pior desempenho econômico.
Existe ofensa aos brasileiros quando
se gerencia a construção de estádios cujos orçamentos são os maiores praticados
no mundo, em qualquer época; e quando não se cumpre o que é prometido em
relação às obras de infraestrutura, mobilidade urbana e outras melhorias que
estariam associadas à realização da Copa do Mundo.
Quem venceu a copa de ofensas, de
grosserias e de falta de educação? Alguns milhares de torcedores inconformados
com a estatura anã da atual gestão governamental brasileira ou os responsáveis
pela elevada gestão, que a par de liderança desastrosa, estão levando o País e
seus habitantes a prescindir de décadas para reparar as consequências das ações
prejudiciais ao interesse coletivo? Minha pergunta é dirigida aos intelectuais,
políticos e demais formadores de opinião que manifestaram desconforto com o
palavrório feio que seus ouvidos sensíveis captaram no estádio Itaquerão. Minha
pergunta é extrapolada para agregar a dúvida se os desconfortados se
sensibilizam e apresentam suas queixas quando os malfeitos governamentais
sucessivos e recorrentes se tornam conhecidos.
Por último e seguramente mais
importante, não é preciso xingar, não é preciso estressar. Basta ter juízo, boa
fé, compromisso com a decência, justiça e ética, e usar corretamente o voto na
eleição presidencial. A alternância no Poder é condição necessária na práxis
democrática.