quarta-feira, 18 de junho de 2014

Indigência intelectual e pobreza de estadistas

Gostei do texto Pornografia e política, do Ruy Fabiano, sobre as manifestações na abertura da Copa do Mundo. O autor apresenta uma visão crítica muito severa dos malfeitos da gestão petista nos últimos anos.
Vi-me estimulado a analisar com cuidado os meus comentários em A abertura da Copa do Mundo e as ofensas correlatas. Não tenho dúvidas em inferir que elaborei um texto panfletário. Propositalmente panfletário, eu diria.
Em rabiscos anteriores, tenho ressaltado que há carência de estadistas e intelectuais em nosso País. Estes para sinalizar os rumos e aqueles para implementar o que os estadistas indicaram.
O Congresso Nacional poderia gerar os estadistas. Mas sendo uma filial da penitenciária da Papuda (afinal, mais de 30% dos parlamentares respondem por processos em curso na Justiça, que só não se resolvem pelo patrimonialismo brasileiro metaforizado na ação de nosso Poder Judiciário), candidata-se a produzir apenas a escória que nos lidera.
Ademais, insisto que precisamos de milhares de Tarsila do Amaral, Caetano Veloso, Mário de Andrade, Guimarães Rosa e, entre outros, Gilberto Freyre, de cujo conjunto poderia se sobressair alguém com a estatura requerida para a dimensão de um país como o Brasil. É preciso gente para produzir ideias da --- e para --- a nossa realidade.
Onde estão nossos Hegel, Rousseau, Hobes, Goethe, Marx (que lamentavelmente foi usado para a gestação do nazicomunismo) e Gramsci (este querendo arranjar a todo custo um sucedâneo leve para o comunismo, podendo pois ser considerado brilhante mas com uma parte do cérebro deteriorada)? Quem são eles no Brasil?
Só consigo produzir uns pobres panfletos. É aquela história, não entendo de rosas, mas admiro-as. Não tenho a dimensão que gostaria, mas enxergo.

Enfim, esta é uma mensagem de lamento. Por minha limitação. Mas sobretudo por nossa indigência intelectual e pobreza de estadistas.

domingo, 15 de junho de 2014

Moral superiority - Message to New York Times

In the article ‘Where Dishonesty Is Best Policy, U. S. Soccer Falls Short’ (NYTimes, june 15th, 2014), Mr. Sam Borden says Brazilian soccer players play dishonestly diving to mislead the referee. He reports that Rivaldo dived in a game of the 2002 World Cup, simulated that was hit in the face, deceiving the referee, but the TV showed the player was hit in the waist. In a similar way, he reports that Fred succeeded in getting advantage dishonestly in the game Brazil against Croatia of the current Word Cup.
He suggests the main reason of the players attitude is concerned with bad character which opposes to a kind of moral superiority of the americans. I think we should consider what follows.
The americans “should stand on the moral high ground”, as he states. The same moral high ground that was used to kill the children and old people in Hiroshima and Nagasaki; the same that was used by Lee Harvey Oswald in Dallas; the same that was used by the manager of the White House for having sex with the support of a cigar; the same that was used to create a justification to invade Iraq; and ...., I suppose it’s not necessary to go on presenting other examples.

Well, am I mixing sport with high problems of Americans et al? I don't think so. Mr. Borden did it. "That's just how Americans are".

sábado, 14 de junho de 2014

A abertura da Copa do Mundo e as ofensas correlatas

A matéria Dilma diz que não se deixará ‘intimidar por xingamentos’ (Estadão de 14 de junho de 2014) estimula a reflexão esportiva e a reflexão política. A primeira permite o prenúncio de tempos bons. O que a segunda reflexão prenuncia depende da maturidade do povo brasileiro.
A Copa do Mundo de 2014 foi iniciada no estádio Itaquerão, na capital paulista, com o jogo do Brasil contra a Croácia. O Brasil venceu por 3 x 1. O jogo foi complicado, com a Croácia fazendo o primeiro gol e sofrendo o empate ainda no primeiro tempo --- gol do estreante em Copa do Mundo Neymar, depois de excelente passe do também estreante Oscar. No segundo tempo, o jogo continuou complicado, Oscar fez um lançamento para Fred, que caiu na área croata e o juiz marcou um pênalti inexistente. Neymar bateu a falta e a seleção canarinha virou o jogo. Quase ao final da partida, Oscar em mais uma excelente jogada decretou o placar final. Qualquer que seja o final do campeonato mundial, do ponto de vista esportivo --- fechando os olhos com a facilidade japonesa para o que o japonês fez ---, a primeira impressão foi excelente.
Do ponto de vista político, do exemplo que cada estadista deve para seus súditos e da condução da coisa pública, ficou lição emblemática. A presidente da República Dilma Roussef chegou ao estádio discretamente e não fez o tradicional discurso de abertura do certame. Ela temia ser vaiada. Quando a torcida percebeu sua presença, não apenas vaiou, mas entoou um coro de impropérios com palavras de baixo calão. Uma parcela de formadores de opinião condenou a atitude de quem mostrou sua indignação com o estado de coisas que caracteriza o atual governo. A condenação das ofensas se alicerçou em variados argumentos e especialmente em alguns interesses inequívocos.
Há razões para as ofensas? Trata-se de polêmica difícil de ser dirimida; trata-se de controvérsia a ser pensada, refletida, debatida e submetida aos ditames da consciência ética e moral.
Há ofensa à família do militar Mário Kozel Filho, quando, na década de 1970, uma equipe de terroristas treinados em Cuba lançou a bomba que o matou.
Existe ofensa às crianças brasileiras que não têm condições de frequentar escolas de qualidade satisfatória, quando um político é flagrado com a inclusão em seu currículo, antes de eleição presidencial,  do título de doutor, sem ter sequer concluído o curso de mestrado.
 Constitui ofensa aos brasileiros que são privados de moradia, saúde, educação e segurança, o apoio a candidato à presidência da República, por parte dos integrantes da quadrilha do Mensalão e o consequente desvio de recursos que deveriam ter sido empregados nas atividades essenciais de responsabilidade do governo. Lembrando, por ênfase, que os meliantes foram julgados e sentenciados à prisão por crimes de desvio de recursos financeiros, corrupção, formação de quadrilha --- sendo este inexplicavelmente descaracterizado pela Suprema Corte ---, lavagem de dinheiro e outros crimes contra a sociedade brasileira.
Há ofensa aos brasileiros que vivem e trabalham submetidos à decência, à justiça e à ética, quando se nomeia uma comissão da verdade para tratar de crimes cometidos na década de 1970 por integrantes dos órgãos de repressão, deixando de fora os crimes cometidos por aqueles que queriam implantar o comunismo no Brasil. Em realidade, essa comissão é da meia verdade e portanto é da meia mentira; e como não existe meia gravidez nem meia mentira nem metades similares, a comissão é da mentira inteira; apenas!
Existe ofensa aos brasileiros que passam fome quando ocorre a aprovação, por autoridade do Conselho Superior da Petrobras, da compra de refinaria nos Estados Unidos, com prejuízo de mais de um bilhão de reais para a companhia petrolífera brasileira; na aprovação da construção em parceria com caudilho venezuelano (que descumpriu seus compromissos no acordo) de refinaria em Pernambuco, e também na aceitação de gastos de recursos públicos para cobrir prejuízos relativos à majoração do orçamento desse empreendimento em mais de vinte vezes.
Constitui ofensa aos brasileiros, a formalização e implementação do programa Mais Médicos com o governo de Cuba --- uma ditadura excrescente ---, com o pagamento de menos de 20% para os médicos que vieram daquele país para o Brasil e com a destinação da diferença para financiar obras dos ditadores do Caribe. Não devendo ser esquecido que os males da assistência médica no País estão estruturados em má gestão, desperdício dos recursos empregados, corrupção e terríveis falhas da infraestrutura de atendimento. Podendo-se asseverar que médicos mal formados --- e também os não médicos que vieram a tiracolo --- jamais resolverão os problemas de saúde brasileiros.
Há ofensa aos brasileiros na ampliação da famigerada política de cotas educacionais para negros e índios em substituição a escolas de boa qualidade que certamente levaria esses beneficiados ao desenvolvimento educacional com grandeza, dado que submetidos ao regime da meritocracia.
Constitui ofensa aos brasileiros despossuídos, a implementação da famigerada política de bolsa família --- uma esmola de R$ 100,00 a R$ 300,00; e uma forma disfarçada da compra de votos e perpetuação no Poder. Uma prática e uma filosofia política de qualidade ofereceria possibilidade de trabalho de que resultasse ganhos, por exemplo, de R$ 1000,00 a R$ 3000,00 --- uma forma de sobrevivência alicerçada no mérito, na produção e sobretudo na dignidade da pessoa humana. Obviamente os corruptos, os desonestos e os maus afirmarão que esse intento é impossível.
Existe ofensa aos brasileiros no fomento de divisões de toda ordem em nosso país --- ressalte-se que na quadra atual autoridades não raro estimulam a divisão de raça, de estado econômico e várias outras mais.
Há ofensa aos brasileiros na declaração, de forma recorrente e despudorada, de que a economia vai bem, quando é fácil perceber que, na atualidade, o Brasil se posiciona entre os países da América do Sul com pior desempenho; e, se comparados aos BRICs, o Brasil é inequivocamente o país como pior desempenho econômico.
Existe ofensa aos brasileiros quando se gerencia a construção de estádios cujos orçamentos são os maiores praticados no mundo, em qualquer época; e quando não se cumpre o que é prometido em relação às obras de infraestrutura, mobilidade urbana e outras melhorias que estariam associadas à realização da Copa do Mundo.
Quem venceu a copa de ofensas, de grosserias e de falta de educação? Alguns milhares de torcedores inconformados com a estatura anã da atual gestão governamental brasileira ou os responsáveis pela elevada gestão, que a par de liderança desastrosa, estão levando o País e seus habitantes a prescindir de décadas para reparar as consequências das ações prejudiciais ao interesse coletivo? Minha pergunta é dirigida aos intelectuais, políticos e demais formadores de opinião que manifestaram desconforto com o palavrório feio que seus ouvidos sensíveis captaram no estádio Itaquerão. Minha pergunta é extrapolada para agregar a dúvida se os desconfortados se sensibilizam e apresentam suas queixas quando os malfeitos governamentais sucessivos e recorrentes se tornam conhecidos.

Por último e seguramente mais importante, não é preciso xingar, não é preciso estressar. Basta ter juízo, boa fé, compromisso com a decência, justiça e ética, e usar corretamente o voto na eleição presidencial. A alternância no Poder é condição necessária na práxis democrática.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Memórias -- Um brasileiro no dia D e os brasileiros na Itália



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VER TAMBÉM

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       Em 6 de junho de 1994, eu vivenciei o privilégio de estar em Paris. A capital francesa estava em festa. Comemorava-se os 50 anos da invasão da Normandia, realizada pelos Aliados, os quais subsequentemente libertariam a capital francesa e toda a França do jugo nazista. Estava sendo comemorada a vitória da maior operação militar da História da Humanidade [1]. As pessoas se emocionavam, choravam, sorriam, cantavam, vibravam, enfim, celebravam. A televisão mostrou o salto dos veteranos paraquedistas, repetindo a proeza de cinquenta anos antes, quando saltaram à retaguarda das forças alemãs. Na volta ao Brasil, li ou ouvi — e inicialmente não acreditei — mas era verdade: George H. Bush, pai, ex-presidente dos Estados Unidos, com mais de setenta anos, também saltou com os heróis dos condores.
       Neste texto, rememoro alguns fatos correlacionados com a épica invasão da França pelos Aliados na Segunda Guerra Mundial.


[1] 
Revisão
Em 6 de agosto, três meses depois da primeira versão deste texto, percebi que a invasão da Normandia não foi a maior operação militar da História.
Conforme Andrew Roberts, em Masters and Commanders: How Roosevelt, Churchil, Marshall and Brook Won the War in the West, de 2008, a maior operação militar foi a Operação Zitadelle, em que 50 divisões da Alemanha atacaram o saliente de Kursk, na Rússia em 5 de julho de 1943. Mais de 2 milhões de homens foram engajados dos dois lados. 
As forças alemãs compreendiam 900 mil militares, 2.700 tanques e canhões de assalto, 10 mil peças de artilharia e 200 aviões. 
O marechal Zhukov respondeu com a Operação Kutuzov, apropriadamente batizada em homenagem ao herói da campanha de 1812, uma vez que implicou permitir aos alemães que atacassem primeiro, antes de um contra-ataque maciço uma semana depois, em 12 de julho. A batalha gigantesca continuou por uma área aproximadamente do mesmo tamanho do Reino Unido antes de ser finalmente vencida pelos russos em 17 de agosto.


          Em meados de 2006, li uma curta matéria no jornal O Globo, em que era noticiada a realização, montagem e futuro lançamento de um documentário pelo baterista João Barone, da banda Os Paralamas do Sucesso, com o título Um brasileiro no dia D [2]. Barone, um aficionado por história da Segunda Guerra Mundial — seu pai fora pracinha da Força Expedicionária Brasileira —, embarcou com seu veículo Jeep para a França visando percorrer os caminhos dos Aliados na campanha contra os nazistas em território francês em 1944. E assim ele realizou a película dedicada a seu pai e cujo tema privilegiava Pierre Clostermann, o tal brasileiro que participou da invasão da Normandia em 1944, como oficial da Força Aérea da França Livre. Na notícia de O Globo era divulgada também a morte de Clostermann, ocorrida em 22 de março de 2006, em Montesquieu-des-Albères, na França.


[2] 
O documentário Um Brasileiro no dia D, que deve ter sido lançado em 2008 ou 2009, pode ser encontrado no seguinte endereço:
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Um Brasileiro no Dia D
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[Clique para assistir ao vídeo]

Ao ler a notícia em O Globo, o nome Pierre Clostermann tocou o sino de minhas recordações. Pensei muito, vasculhei as profundezas da memória e consegui recuperar o que já tinha se apagado na poeira do tempo. Em 1967, no segundo ano do ensino médio da Escola Preparatória de Cadetes do Ar, quando ainda me propunha a ser piloto da Força Aérea Brasileira (não logrei êxito nesse intento porque em face de deficiência da visão não foi possível a aprovação no exame médico de acesso à Academia da Força Aérea), li o livro O grande circo, escrito por Pierre Clostermann. Era um livro indispensável para todo candidato a piloto da Força Aérea. O grande ídolo, eleito quatro décadas antes,  e que entusiasmou quem se propunha vivenciar as aventuras de enfrentar as enormes dimensões vazias da atmosfera, deixara o reino terrestre.
Em 2007, eu chefiava o Centro Tecnológico do Exército (CTEx) e tive que interagir com um diretor da empresa europeia MBDA, do setor de armamentos, para rescindir a parceria contratual para o desenvolvimento conjunto de um míssil (à época da formalização do contrato, os parceiros eram o Exército Brasileiro e empresa italiana, que depois foi absorvida pela MBDA). O projeto estava parado há mais de cinco anos porque as duas partes deixaram de ter interesse mútuo [3]. Cerca de seis dezenas de milhões de reais (em valores corrigidos para 2007) foram despendidas e o empreendimento estava fadado ao insucesso e à perda total por causa da pendência contratual. Com a atuação eficaz da equipe do CTEx foi possível trazer o diretor da MBDA ao Brasil para solucionar o contencioso jurídico.


[3] 
Na exposição de material LAAD/2007, no Rio de Janeiro, por proposta do CTEx, o chefe do Departamento de Ciência e Tecnologia do Exército e o diretor da MBDA assinaram o distrato do contrato do artefato. Subsequentemente, tive a alegria de assinar o contrato com uma empresa nacional de propriedade de brasileiros e com capital majoritariamente brasileiro para a continuação do projeto e a fabricação em série das primeiras sessenta unidades, com a vantagem de ter conquistado uma parceria com a Marinha do Brasil, que também realizou a contratação de um lote.

Entre os assessores do empresário francês da MBDA estava presente o Jean Pierre, um franco-brasileiro filho de pai francês e mãe brasileira. Comentei com ele que há muito tempo eu lera um livro escrito por outro franco-brasileiro, com paternidade similar. Referia-me ao livro O grande circo, do Clostermann. Ele prontamente me corrigiu e disse que o herói francês era nascido no Brasil, mas o pai e a mãe, ambos, eram franceses. Eles estavam aqui porque o pai estava em missão diplomática. Ele perguntou como era o meu francês; respondi que me comunicava minimamente e lia com alguma eficácia nesse idioma. O diálogo se encerrou. Dois meses depois, recebi uma encomenda internacional enviada pelo Jean Pierre. Ele me presenteou com dois livros em francês: Le grand cirque 2000, uma versão ampliada de O grande circo;  e Une vie pas comme les autres,  sendo este o décimo primeiro escrito por Pierre Clostermann.
E assim recordei e ampliei um mínimo de conhecimento sobre os combates aéreos envolvendo franceses e ingleses na Segunda Guerra Mundial e sobre Pierre Clostermann, o maior herói da aviação francesa, ao que eu saiba, de todos os tempos.
Ele nasceu no Brasil em 1921 e aqui permaneceu até completar cinco anos. Em seguida foi para a França, país de onde seu pai era originário. Em 1937, aos dezesseis anos, retornou ao Brasil e fez o curso de pilotagem no Aeroclube do Rio de Janeiro. Após o recebimento de brevê de piloto, Clostermann seguiu para a Califórnia, nos Estados Unidos, para cursar Engenharia Aeronáutica e pilotagem comercial. Em 1940, ele tomou conhecimento do apelo do General Charles de Gaulle [4], que não aceitou a rendição e parceria da França com o regime nazista (formalizada pelo chamado governo de Vichy, presidido pelo General Pétain) e organizou as Forças Francesas Livres para lutar pela derrota do nazismo.


[4] 
Em 24 de junho de 1940, de Gaulle discursou pela rádio BBC. A frase síntese dirigida a seus compatriotas é:
“Officier français, soldats français, marins français, aviateurs français, ingénieurs français, où que vous soyez, efforcez-vous de rejoindre ceux qui veulent combattre encore!”
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“Oficiais franceses, soldados franceses, marinheiros franceses, aviadores franceses, engenheiros franceses, onde quer que vocês se encontrem, esforcem-se para se juntar àqueles que ainda querem combater!”.

Eis o discurso original do Gen De Gaulle transmitido pela BBC de Londres:

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[Clique para ouvir o discurso]


Estimulado por seu pai, combatente da Primeira Guerra Mundial, Clostermann, que acabara de concluir o curso de Engenharia e de obter a certificação de piloto comercial na Califórnia, dirigiu-se para o Brasil, trabalhou no jornal O Correio da Manhã, durante três meses, e depois deslocou-se para o Uruguai, onde tomou um navio e foi encontrar-se com de Gaulle em Londres. Ele ingressou na Força Aérea Livre e na Real Força Aérea Britânica. Aos 24 anos, ele se tornou o maior piloto de caça da História francesa.
Em 1945, coberto de honrarias, ele se desmobilizou da Força Aérea da França. Aos 24 anos, tinha sobrevivido a 400 missões de guerra na aviação, totalizando 600 horas de voo e 33 vitórias aéreas (vale dizer, 33 aviões inimigos abatidos por ele). Aos 25 anos, foi eleito deputado pela Alsácia. Subsequentemente, combateu por 18 meses na Argélia como piloto de caça. Conforme consta do livro Le grand cirque 2000, “Reelegeu-se outras oito vezes para ocupar um assento no Parlamento. Demitiu-se quando da morte do General de Gaulle. Industrial de talento, fundou uma fábrica, a Reims-Aviation, onde construiu mais de 5 mil aviões de turismo. Vice-presidente da Cessna nos EUA, a líder mundial na produção de aviões leves, ocupou também um cargo de administrador na Renault e na Avions Marcel Dassault.
Seu último livro pode ser sintetizado em três vertentes fundamentais: a guerra, relembrada em seus aspectos essenciais; a pesca, uma de suas paixões; e os amigos, que cultivara com proficiência --- entre outros, Romain Gary, Ernest Hemingway e Charles de Gaulle (este talvez não exatamente um amigo, mas uma extraordinária referência). Não esqueceu o Brasil, tratado em dois capítulos, com extrema simpatia. Talvez, uma das passagens mais extraordinárias seja o relato da morte do General de Gaulle [5]. Inicialmente, assevera que essa passagem, ele a registrou em seu caderno de anotações para se lembrar mais tarde, com clareza, das horas de dor.


[5] Assim, Clostermann descreve o evento em Une vie pas comme les autres:
“De Gaulle est mort hier soir. J’ai pleuré. Étai-ce sur moi ou sur la fin de quelque chose qui me dépasse? Comme l’a écrit Roman Gary, ami et mon compagnon dans l’Ordre de la Libération, dans Time USA: ‘An old man walked away, and took with him our youth.’ (Un vieil homme est parti emportant avec lui notre jeunesse.) --- cette jeunesse que nous lui avion apportée volontairement à Londres!
“Les Compagnons de la Libération seront les seuls avec sa famille à accompagner au petit cimetière de Colombey. C’est l’unique privilège qu’il nous aura accordé depuis 1940, mis à part son affection sans faille et celui de mourir pour la France sous l’uniform français! ”.
________________________________
De Gaulle morreu ontem. Eu chorei. Por minha perda ou pelo fim de qualquer coisa que ainda me assombra? Como asseverou Roman Gary [*], amigo e camarada da Ordre da la Libération,  em Time USA: ‘Um velho homem se foi, levando consigo nossa juventude.’ ( .... )   — essa juventude que nós lhe entregamos voluntariamente em Londres.”
Os camaradas da Libertação foram os únicos com sua família a acompanhá-lo no pequeno cemitério de Colombey. A esse privilégio único que nos fora concedido, desde 1940, acresça-se sua afeição sem jaça e aquele relativo à sua morte pela França com o uniforme francês!”.
[*] A amizade de Roman Gary com Pierre Clostermann foi iniciada quando ambos eram pilotos de guerra na Força Aérea da França Livre, em Londres. Gary nasceu na Lituânia, mudou-se para a França e tornou-se cidadão francês.
       Depois da Segunda Guerra Mundial, Gary tornou-se notável escritor, diretor e roteirista de cinema. Foi co-autor do roteiro do filme “O mais longo dos dias” e, por seus contatos com a sétima arte, foi marido da atriz Jean Seberg.
       Gary foi o único autor a ser galardoado duas vezes com o prêmio Goncourt, o mais importante da Literatura francesa. O procedimento para a concessão dessa comenda impunha que só fosse concedida uma única vez para a mesma pessoa. Para ganhar a segunda vez, ele concorreu com o pseudônimo Émile Ajar, fato que só foi esclarecido após sua morte, por suicídio com arma de fogo.

Hoje, 6 de junho de 2014, estão sendo comemorados 70 anos da Operação Overlord, como foi denominada a invasão da França, a partir da Normandia, na Segunda Guerra Mundial, e que foi pactuada pelo presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt e pelo Primeiro Ministro do Reino Unido, Winston Churchil. O contingente de mais de um milhão de militares aliados foi comandado pelo General Dwigth D. Eisenhower, que mais tarde se tornaria presidente americano.
Provavelmente, um único militar nascido no Brasil participou daquela invasão, o Tenente Pierre Clostermann. Mas cerca de 25.000 brasileiros participaram da Segunda Guerra Mundial [6], nos campos de batalha europeus. À semelhança de Pierre Clostermann, todos tiveram inexcedível jornada de sacrifício e heroísmo — bem como medo, que o herói francês descreve com clareza em seus livros. Todos deram uma insuperável contribuição para que o hediondo autoritarismo nazista fosse varrido da face da Terra. É bem verdade que, em mentes perturbadas, doentias — poucas é certo! —, esse flagelo continua presente. De qualquer sorte, contraímos uma imorredoura dívida com todos os heróis brasileiros e especialmente, com as mais de quatro centenas que pereceram nos campos de batalha. Eles merecem o mesmo respeito, gratidão e homenagem que são concedidos a Pierre Clostermann [7]. Ao lado desse franco-brasileiro, todos que enfrentaram o perigo e permitiram-se a oferta da própria vida para o cumprimento da missão, são a nossa eterna referência.



[6] 
     Lamentavelmente, pouco é escrito e publicado sobre a participação brasileira na Segunda Guerra Mundial. Não raro, nossos intelectuais, e também os cineastas, ignoram essa epopeia. 
         Lembro-me que meu velho pai, na época, um lavrador semianalfabeto, que me ensinou as primeiras letras, portava consigo vários livros —  e talvez por isso, depois, conseguira ser sucessivamente tabelião do registro civil, presidente de partido político, juiz de paz e comerciante, em Rochedo, onde nasci. 
         Um desses livros, que li por volta dos oito anos e esqueci o título, fora escrito por Arabutã Sampaio do Aragarças (este nome precisa ser verificado em confirmado, quando eu obtiver o livro), oficial da Força Expedicionária Brasileira. Tratava da participação dos militares brasileiros na Itália em 1945. 
         Transcorridos 57 anos, tentei por intermédio da Internet, recuperar a obra. Não tive sucesso. Continuarei tentando. Quem sabe algum sebo ou algum descendente de participante da Segunda Guerra Mundial possa permitir que eu obtenha essa raridade. 
        Ademais, quem sabe algum dia eu possa ter a ventura de ir à Itália e percorrer o caminho que os heróis brasileiros percorreram, combatendo o bom combate. De preferência, tendo relido o livro do Arabutã. De preferência, ignorando minhas limitações e escrevendo um pequeno texto alusivo ao caminho e a esse militar que o trilhou.




[7] 
Como curiosidade, convém refletir sobre a opinião de Clostermann sobre  Saint-Exupéry, também piloto de guerra francês. Ela está relatada em:

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Clostermann e Saint-Exupéry
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[Clique para acessar ao artigo]



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