domingo, 21 de março de 2021

Monólogo "não raro"


Não raro, utilizo a expressão “não raro” com a acepção “com alguma frequência” ou simplesmente “com frequência” — sempre em oposição ao adjetivo “raro”. Eis alguns exemplos:

     Não raro, o artista é aplaudido ao entrar em cena. Não raro, ele reage com respeitosa reverência.

     Não raro, é preciso ter atenção e cuidado com as idiossincrasias da língua portuguesa. Não raro, elas surpreendem experimentados professores. Não raro, elas causam tropeço em brilhantes alunos.

     Quando qualquer dificuldade me envolver, não raro devo me lembrar que posso enfrentar situações piores e jamais deixaria de tentar superá-las. 

 

Estariam corretas essas “alessianas” rochedenses?

 

Compulsando-se o dicionário de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, constata-se que dúvida não há, elas estão corretas. O mestre dos doutores ensina: 

Não raro. Com frequência: [...]”.

 

Consultando-se também o Dicionário de Português licenciado para Oxford University Press, confirma-se o acerto do uso da expressão: 

Não raro. Com frequência; comumente, frequentemente <lia muito, não raro pela madrugada adentro>.

 

O socorro pode se estender ainda ao Dicionário Aulete Digital, de Francisco J. Caldas Aulete, que registra: 

Não raro. Com alguma frequência.”

 

Cidadãos há que consideram o emprego de “não raro” inadequado. Porém, o ex-presidente da Associação Brasileira de Imprensa é um dos autores que não concordam com essa asserção. Em seu livro Presença de Alberto Torres (página 63), encontramos: 

“Sua presença é constante no jornal, não raro apenas com

  suas iniciais.”

 

É interessante e curioso, verificar como essa expressão é traduzida para o idioma inglês.

Fonte: https://www.linguee.com.br/portugues-ingles/traducao/não+raro.html

(Consulta em 20/03/2021)

 

 


Fonte: Rede 'Brasil Notícias' – WhatsApp

sexta-feira, 19 de março de 2021

Apologia de uma amizade

"O lavrador perspicaz conhece o caminho do arado."
Homenagem a Oscar Barboza Souto, antigo lavrador, garimpeiro e comerciante.
In Memorian.

O amigo Saint-Clair enviou-me uma interpretação magnífica da música Bolero, de Ravel, regido pelo maestro romeno Sergiu Celebidache. Saint-Clair alertou que Celibidache disputou, no século XX, o título de maior regente do mundo com o austríaco Herbert Von Karajan.

Ao ouvir atentamente essa música, lembrei-me que, na década de 1970, quando servia na Brigada Paraquedista, comprei um disco vinil que, afora extratos de música do Beethoven e do Albinoni, tinha o Bolero de Ravel. Então, nessa época, tomei conhecimento de algumas das melhores músicas já compostas; e meu horizonte de cultura musical evoluiu da apreciada música sertaneja, que predominava na região onde nasci, para um nível inequivocamente diferenciado.

A regência do genial Celibidache é magnífica. A elegância como ele anuncia os instrumentos é algo que mexe com qualquer sensibilidade. Assim, vamos nos inebriando com cada compasso, em que predominam sucessivamente a flauta, o flautim, o clarinete, o oboé, o fagote, o trompete, o sax tenor, o sax soprano, a trompa, o trombone; em seguida os sopros, as cordas, e o conjunto dos sopros e das cordas; e finalmente a orquestra quase inteira (provavelmente, essa sequência está incorreta e incompleta, mas isso não prejudica o relato sobre a consagrada música e sua soberba interpretação).

Possivelmente, Manoel Bandeira diria que a regência de Celibidache é poesia em estado puro, e melhor que a dele. E aí me lembrei que já estive, com Isabel, na planície de Pasárgada, magnificamente cantada por Bandeira no poema “Vou-me Embora para Pasárgada”. Admirei o singelo mausoléu do Ciro, o Grande, fundador da Pérsia, e a épica conclamação para que esse túmulo, construído naquela planície, no século V a. C., jamais fosse destruído. Em um fragmento de história, aprendi que Alexandre, depois de destruir Persépolis (até as ruínas que sobraram são fantásticas!), determinou a seus guerreiros que não tocassem naquele túmulo. Eles deixaram-no intacto, mas recolheram todas as imensas riquezas que abrigava. 

Se Ravel vivo estivesse, e assistisse à apresentação sob a batuta de Celibidache, diria: 

“Liderou uma apresentação de forma mais esplendorosa do que aquela que extraí de minha imaginação!”. 

Por seu turno, o notável Bandeira diria: 

“A beleza dessa interpretação me obriga a ir mesmo para Pasárgada!”. 

A ficção que o poeta imaginou em seu poema mais célebre precisaria tornar-se realidade. Só assim, Bandeira poderia apreciar algo melhor do que o Bolero regido por Celibidache.

Mas voltando ao Saint-Clair, sua erudição musical, iniciada aos cinco anos com orientação de seu avô, é admirável e proporciona momentos magníficos, como a sugestão dessa versão da obra-prima de Ravel. Resta o agradecimento ao estimado amigo da turma Marechal Mascarenhas de Morais; e aos prestimosos líderes da turma, que agem de forma arguta e pertinaz, e impedem que a distância separe os companheiros de juventude — cuja interação fraterna independe do afastamento de algumas décadas.

 

 

Mausoléu do Ciro

É imperioso recordar o texto deixado por Ciro, o Grande, em seu mausoléu, na planície de Pasárgada:

 “Oh, cidadão do mundo, seja você quem for, de onde quer que você vier — porque eu sei que você virá —, eu sou Ciro, que fundou o império dos persas. Não tenha aversão por mim e não profane esse mausoléu que abriga meu corpo.” (Segundo Heródoto).

 


“Alexandre veio e, 23 séculos depois, nós também viemos.”

Aléssio & Isabel, Pasárgada, Irã, 2 de julho de 2000.

 

 

Bolero de Ravel

Apresento agora a versão da música do Ravel, sugerida pelo Saint-Clair. Para assistir, queira clicar sobre o título em azul.


Bolero de Ravel - Regência de Sergiu Celibidache


 


Vou-me Embora pra Pasárgada

 Manoel Bandeira

Vou-me embora pra Pasárgada

Lá sou amigo do rei

Lá tenho a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

 

Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada

Aqui eu não sou feliz

Lá a existência é uma aventura

De tal modo inconsequente

Que Joana a Louca de Espanha

Rainha e falsa demente

Vem a ser contraparente

Da nora que nunca tive

 

E como farei ginástica

Andarei de bicicleta

Montarei em burro brabo

Subirei no pau-de-sebo

Tomarei banhos de mar!

E quando estiver cansado

Deito na beira do rio

Mando chamar a mãe-d’água

Pra me contar as histórias

Que no tempo de eu menino

Rosa vinha me contar

Vou-me embora pra Pasárgada

 

Em Pasárgada tem tudo

É outra civilização

Tem um processo seguro

De impedir a concepção

Tem telefone automático

Tem alcaloide à vontade

Tem prostitutas bonitas

Para a gente namorar

 

E quando eu estiver mais triste

Mas triste de não ter jeito

Quando de noite me der

Vontade de me matar

— Lá sou amigo do rei —

Terei a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada.

 

domingo, 14 de março de 2021

Mensagem para Maria Helena

Cara M. H.,


Ainda sobre o Dr. Lindolpho. Primeiramente vou caracterizar nosso maltratado país.

Temos a classe política mais corrupta do mundo. Basta dizer que cerca da metade dos deputados e senadores estão sendo acusados ou processados por desmandos com recursos públicos.

Temos a pior Suprema Corte dentre os países democráticos desenvolvidos. Não raro, eles conspurcam a verdade romana “Omnis potestas ab jure” ("Todo poder deriva do direito"). Como advogado diletante e escritor vocacionado, o Cláudio Luiz, seu esposo, talvez discorde.

Como, de 1500 a 2021, os governantes jamais deram prioridade para a Educação, temos uma das piores repartições de renda dos países mais organizados e uma das maiores desigualdades sociais do mundo; acrescido de uma produtividade corporativa menor do que os 100 maiores países.

Porém, porém, porém, estamos entre os 14 países mais avançados em matemática. E isso se deve exclusivamente ao IMPA (Instituto de Matemática Pura e Aplicada).

Posso asseverar que essa proeza se deve também, de forma inequívoca, ao Dr. Lindolpho Carvalho Dias. Claro, em face sobretudo de suas três gestões não consecutivas, à frente daquele consagrado Instituto. 

Ele merece o reconhecimento e a glória! 

E à família resta o orgulho de contar com tão notável integrante! 

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sábado, 13 de março de 2021

Mensagem para o Cappellano

Meu amigo, é possível conversar, debater o que você propõe — vale dizer, as expectativas não alcançadas pelo governo federal. Porém, é preciso uma abordagem. Vou tentar apresentá-la por meio de exemplo. 

Tenho admiração por dois personagens.

O primeiro é o Dr. Lindolpho Carvalho Dias, com opção pela direita plena (direita mesmo!), fazendeiro, cultivador de soja em Goiás e café em Minas Gerais; matemático de projeção mundial, ex-diretor do IMPA, em três mandatos não consecutivos (cerca de 20 anos) e que contribuiu para que o Brasil seja um dos 14 países mais avançados do mundo em matemática. Tem 91 anos e ainda trabalha na FGV.

O outro, Saturnino Braga, esquerdista, comunista, socialista e petista; ex-senador e presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa do Senado e ex-prefeito do Rio de Janeiro; já falecido.

Conheci pessoalmente os dois. O Dr. Lindolpho por razões familiares. O Saturnino porque o recebi no CTEx, com todas as honras, quando era presidente da citada Comissão; e porque o encontrei na casa do Dr. Lindolpho.

Eles foram colegas na Universidade e foram amigos fraternos durante cerca de 75 anos. Agora veja que um jamais ofendera o outro ou as opções pessoais e institucionais do outro. Eram intelectuais no sentido mais satisfatório, adequado e amplo da palavra.

Por último, eu me insurjo contra pessoas que se dizem intelectuais e agridem, ofendem e maculam os outros ou suas opções. Isso vale para gente de qualquer direção.

Desculpe por me estender em demasia. 

Forte abraço.

RS

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