terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Dúvida não-socrática: irritar-se ou não?

[Matéria acolhida e divulgada no Fórum de Leitores eletrônico do Estadão de 12/02/2015]

         No atinente à matéria “Com ferro foi ferida”, da Sra. Dora Kramer (Estadão, 10/2/2015), uma sequência não-socrática de perguntas que não querem calar-se é oportuna.
Uma presidente da República tem o direito de ficar irritada? Se tem, é um atributo bom de uma estadista ficar irritada com frequência?
A presidente do Conselho de uma corporação tem o direito de afirmar que tomou decisão baseada em parecer incompleto e falho? E se tem, ela tem o direito de ficar irritada com ela própria ou com o assessor que a enganou?
Uma presidente da República tem o direito de tomar a maioria de suas decisões de forma errada? E se tem, ela tem o direito de ficar irritada com ela própria ou com aqueles que sofreram as consequências de suas decisões?
Uma presidente da República tem o direito de mentir? E se tem, não estaria certo seu mentor ao afirmar que estavam tentando impedi-la de concluir o mandato? E se seu mentor estava certo, é correto que se queira impedi-la de continuar? E se é correto, não é o caso de asseverar: “Viva o mentor! Ele falou a verdade; ele indicou o que precisa ser feito; o que é imperioso que se faça”?  E nesse caso, ela tem o direito de ficar irritada com ela própria, com seu mentor ou com a sociedade?
Uma presidente da República tem o direito de ser a líder — de ser a presidente — de apenas uma parcela da população liderada? E se tem, eu tenho o direito de considerá-la presidente apenas da parcela que lhe agrada e ignorá-la solenemente; e de tentar impedi-la nos ditames da lei? Aí, ela tem o direito de ficar irritada com ela própria ou com a sociedade?

Enfim, a despeito das perguntas serem não-socráticas, muitos Sócrates são necessários na selva tupiniquim. Não se construiria uma civilização ocidental-tupiniquim, mas pelo menos teríamos de volta o bom humor e a elegância. Nem precisaríamos da ética e da moral.

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