domingo, 26 de abril de 2015

Sabatina de candidato a Ministro do STF

No atinente à futura sabatina, inserida na agenda do Parlamento, em que os senadores submeterão, no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, o senhor Luiz Edson Fachin, indicado para nomeação pela presidente da República ao cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal, cabem algumas ponderações.
Em face do posicionamento político do senhor Fachin, por ocasião da eleição presidencial, quando ele atuou de forma explícita na campanha da candidata à reeleição, senhora Dilma Roussef, é imperioso que os senadores lhe perguntem se ele se considera detentor de notório saber jurídico ou detentor de notório oportunismo eleitoral, credenciando-se, por sua militância na referida campanha, para uma futura indicação para algum cargo de interesse do Partido dos Trabalhadores.
É imperioso que os senhores senadores lhe perguntem também se ele terá a integridade intelectual, moral e ética para se declarar impedido de participar de qualquer processo contra os interesses da senhora Roussef ou de seu partido; ou se atuará com a parcialidade e desfaçatez dos julgadores de Sócrates, no século IV a. C., posicionando-se, como aqueles, favoravelmente aos interesses de quem o investiu na condição de participante do sistema judicial.

Caso o senhor Fachin atue como os julgadores gregos, não é demais inferir que nossa processualística política e judicial apresenta similaridades com aquelas de 2.400 anos atrás. Ou seja, necessitaríamos, nesse caso, de milênios para chegar à sonhada civilização conjecturada por Sócrates e seu discípulo Platão, bem como o discípulo deste, Aristóteles. Pobre Brasil!

quinta-feira, 2 de abril de 2015

O nascimento de Laura

Laura nasceu. Não a nossa Laura, mas uma pequenina que chegou cercada de circunstâncias curiosas. Pois é, milagres existem! A começar pela aproximação afetiva de duas pessoas, da evolução interativa, do prazer que origina os demais milagres: a fecundação, o desenvolvimento e formação de um novo ser e o nascimento. É tecnologia em estado puro, natural — tecnologia divina para uns, pujança da natureza para outros. Os adeptos, os fanáticos pela tecnologia queiram desculpar, mas é impensável imaginar que o homem conseguirá repetir artificialmente esse prodígio natural. Será?
Voltemos à Laura. Seu pai, um planejador rigoroso, pensou em tudo a partir do início da gravidez da esposa. Ele relacionou todos os passos, todas as atividades que teria que executar para que o nascimento — um evento singular e mágico — tivesse pleno sucesso. O estado de funcionamento do carro era verificado com frequência incomum na oficina de seu amigo. O tanque era abastecido com regularidade, de tal sorte que só era aceitável que a gasolina chegasse, no mínimo, a três quartos da capacidade. Nos três meses que antecederam o período previsto para o parto, uma vez por semana, ele dirigia de sua casa até a maternidade — um trajeto de 30 quilômetros — para estar completamente seguro de que, no dia aprazado, não teria dificuldades no trânsito. Leu a bibliografia disponível e aconselhável sobre o nascimento de bebês. A mala com todos os objetos recomendados pelas tias, avós, obstetra e palpiteiros de plantão ficou pronta com dois meses de antecedência e estava sempre ao alcance da mão.
Enfim, o dia esperado chegou. No final da madrugada, a esposa deu o sinal de alerta. A expectativa e a emoção aumentaram. Estando preparados, ele carinhosamente tomou o braço da esposa, encaminhando-se para a garagem. Ao abrir a porta do carro, a esposa disse:
— Eu acho que não vou conseguir chegar no hospital. Minha percepção é que nossa filha quer nascer agora.
Mas como? O que está acontecendo? Indagou o marido.
   Estou sentindo dores e contrações anormais.
Em seguida, ela deitou-se no piso da garagem, caracterizando que a situação limite havia chegado.
O marido havia pensado em tudo, mas não pensou no imponderável. Começou a suar frio, hesitou por alguns instantes, tentou ordenar o raciocínio e só conseguiu inferir que estava diante de uma emergência. Então, lhe ocorreu ligar para o telefone 190. Explicou o que estava ocorrendo e recebeu a recomendação de que tinha que fazer o parto. Seria o obstetra da própria filha sem ter qualquer conhecimento de enfermagem. A sorte estava a seu favor. A policial que o atendeu era tranquila, qualificada e se prontificou em transmitir, passo a passo, a orientação necessária. Recobrado do susto inicial, o pai colocou o celular no piso, na condição de viva voz, e o milagre tomou a conformação de normalidade emergencial. Ouvia a orientadora e retransmitia para a esposa.
     Você vai deitar-se, apoiar a cabeça na sacola de pertences, relaxar e respirar compassadamente.
     Isso mesmo, você começou muito bem — Afirmou a policial pelo 190 — Agora diga para ela fazer força.
     Força, benzinho!
A policial tentou caprichar no tom de voz.
     Não é desse jeito não. Fale firme, como homem!
Ele tentou calibrar a firmeza, para não atingir a grosseria.
     Força, mulher! Força mesmo! Isso, isso mesmo, está saindo!
Virando-se para o celular.
     Saiu a cabeça e agora?
     Você tem que ajudar. Insista para que a respiração seja compassada, para que ela continue fazendo força. E então pegue a cabeça do bebê e puxe.
     É para puxar com força?
     Com força não, cara pálida! Com uma firmeza suave, senão você vai arrancar somente a cabeça do bebê.
     Ah, bom! Continua saindo. Os dois ombros já estão de fora!
     Continue desse jeito, com calma, transmita confiança para a mãe.
E assim seguiu por alguns minutos, todos parecendo ter mais de 100 segundos cada um.
     Pronto, nasceu! Nasceu! É menina! É a Laura!
A mãe, tão calada até agora, expressou toda a emoção.
—   Minha filha! Minha filhinha! Graças a Deus!
     E que você fez com ela? Perguntou a policial.
     Eu a abracei, eu estou abraçado com ela.
     Homem tonto! Com uma das mãos, segure-a cuidadosamente pelos pés, mantendo-a pendurada de cabeça para baixo e bata com a outra mão nas costas, até ela chorar e depois, coloque-a sobre o peito de sua mulher. Não esqueça: você não é a mãe, você é o pai.
     Já coloquei. E agora, o que faço?
Você vai cortar o cordão umbilical, dando-lhe um nó no toquinho que restar junto à barriga do bebê.
     Mas como é que vou cortar? Com que?
     Você não tem uma tesoura, uma faca e um pouco de álcool para desinfecção?
     Aqui na garagem, só tem alicate ....
     Homem alienígena, o alicate, você o pegue, prenda sua própria orelha ou nariz com bastante força e puxe prá valer.
Após um silêncio constrangedor, a policial continuou.
     Após cortar o cordão, espere uns instantes e faça a higiene do bebê.
     Com que? Como? No chuveiro?
     Com as mãos, com toalhas úmidas e, especialmente, com o intelecto. Você sabe o que é isso?
     Não sei não. Depois eu te telefono prá você me explicar. E depois da higienização? Eu estou na garagem.
     Você permaneça aí com calma e transmitindo tranquilidade para sua esposa. A ambulância que eu acionei no primeiro momento estará chegando em sua casa em 5 ou 10 minutos. Vocês irão para a maternidade.
E assim a Laura chegou, sem ter desejado, senão pelos desígnios insondáveis que perpetuam a espécie humana. Ela se tornou bebê, milagrosa e magicamente! E aguarda tornar-se menina, moça, mulher e seguir em frente, em busca de seu destino, preferencialmente, reproduzindo a tecnologia que qualquer homem dificilmente ousará repetir de forma não natural.
PS. Laura é real. Ela é filha de um pai organizado e perspicaz. Ela nasceu na garagem. O fato foi divulgado pela televisão.