quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Distensão Estados Unidos versus Cuba

Nesta data de 17 de dezembro de 2014, Barack Obama, presidente dos Estados Unidos, e Raul Castro, ditador de Cuba, anunciaram o reatamento das relações diplomáticas entre seus países. Passados 55 anos do rompimento causado pelo triunfo do comunismo na ilha caribenha, com as ascensão de Fidel Castro, em substituição a Fulgêncio Batista, ocorre o restabelecimento da normalidade nas interações dos dois governos.
Afora Cuba ter-se constituído em ponta de lança da extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas nas proximidades dos Estados Unidos, há que se mencionar que os americanos tentaram em 1961, a derrubada do regime da ditadura castrista por intermédio da frustrada invasão militar da Baía dos Porcos, na costa sul da ilha cubana.

A Invasão da Baía dos Porcos — conhecida em Cuba como La Batalla de Girón, uma vez que a operação principal ocorreu na praia de Girón, localizada na Baía dos Porcos —foi planejada durante o mandato do presidente americano Dwight Eisenhower e executada em 1961, logo após a posse do presidente John Kennedy que substituíra Eisenhower. O evento fazia parte da Operação Mangusto, cujo objetivo era derrubar o regime recém instalado em Cuba, bem como assassinar seu líder Fidel Castro. A força invasora era constituída por cerca de 1300 cubanos exilados nos Estados Unidos e que foram treinados pela CIA. Entre as baixas das operações podem ser contabilizadas: (i) forças invasoras: 118 mortos, 360 feridos e 1 202 capturados; (ii) Exército cubano: 176 mortos e 500 feridos; (iii) Polícia e milícia cubanas: cerca de 4000 mortos, feridos ou desaparecidos.

Há que relembrar também a tentativa da União Soviética de instalação, em 1962, de mísseis nucleares em Cuba — que resultou na mais severa crise entre as duas superpotências, com risco iminente de conflito nuclear. Depois de negociações dificílimas, o presidente americano John Kenedy e o primeiro ministro soviético Nikita Kruschev, chegaram a um acordo mediante a retirada de armas estratégicas americanas da Turquia e da retirada dos mísseis nucleares soviéticos de Cuba.

A crise entre EUA e URSS foi motivada pela instalação de mísseis estratégicos americanos no Reino Unido, na Itália e na Turquia, bem como pela tentativa de invasão de Cuba pelos exilados cubanos apoiados pelos Estados Unidos. A União Soviética instalou cerca de 40 silos com mísseis nucleares em Cuba, localizada a 150 quilômetros da costa americana, o que era inaceitável pelo governo americano. Durante 13 dias, o mundo viveu sob a ameaça de uma hecatombe nuclear, com o embargo militar naval de Cuba, para evitar que tropas, armamentos e navios soviéticos aportassem na ilha. O ápice da crise caracterizou-se pela derrubada de um avião espião americano U2 sobre Cuba e a morte do respectivo piloto. As tensas negociações foram encerradas, e a crise superada, com o urgente comunicado de Nikita Kruschev que asseverava: "Nós concordamos em retirar de Cuba os meios que consideram ofensivos. Concordamos em fazer isto e declarar na ONU este compromisso. Seus representantes farão uma declaração de que os EUA, considerando a inquietação e preocupação do Estado soviético, retirarão seus meios análogos da Turquia".

Aspectos fundamentais do anúncio de Obama e Castro devem ser objeto de escrutínio hoje e durante os próximos anos.
Há analistas que consideram o Governo Obama fraco. No âmbito interno, nas recentes eleições legislativas federais e executivas estaduais de 2014, o partido Democrata de Obama sofreu acachapante derrota, com a perda de maioria no Senado — que veio a se somar à pré-existente maioria republicana na Câmara de Deputados. No cenário internacional, o Governo americano estaria agindo com pusilanimidade frente à Síria, cujo ditador, Bashar Assad, contribuiu para a morte de mais de 100 000 sírios. Os americanos não estariam agido com a firmeza e decisão satisfatórias frente aos russos no episódio da tomada da Crimeia dos ucranianos pelo Governo russo de Vladimir Putin e do apoio político e militar dos russos para os combatentes que tentam estabelecer-se no Leste da Ucrânia, em oposição ao governo ucraniano, cuja tendência é tentar livrar-se das pressões e influências russas e aderir à União Europeia e OTAN (Organização do Tratado Atlântico Norte). Nesse sentido, a abertura patrocinada com o Governo cubano representaria uma tentativa de salvação de um Governo que tem sido tão duramente contestado.
Olhando a questão do prisma do Governo de Cuba, questiona-se as razões pelas quais os americanos estejam fazendo a distensão com uma ditadura, na qual durante meio século, Fidel Castro atuou de forma despótica, sem a menor concessão para as liberdades em geral — com ênfase para as liberdades de ir e vir, econômica e de expressão —; para os direitos humanos e das minorias; e, em síntese, para o estado democrático de direito e outros temas caros à democracia e sobretudo à liberal-democracia. Recentemente, Fidel Castro foi substituído por seu irmão Raul Castro, que deu continuidade ao processo vigente, com tímidos acenos para alguma evolução aspirada interna e externamente. A pergunta que hesita em calar: por que legitimar um regime tão distante da essência da verdade, liberdade, democracia e justiça?
No atinente ao poder mundial, é oportuno mencionar que mercê da possível fraqueza  do Governo Obama — uma continuidade do igualmente medíocre Governo Bush — os Estados Unidos assistem a uma aparente e relativa perda, com a ascensão meteórica da China, agora possivelmente consolidada, se não acelerada, pelo investidura recente de Xi Jinping como líder chinês. É conveniente citar o emblemático comentário publicado no People’s Daily, porta voz do Partido Comunista chinês: “Mao Tse Tung colocou a China de pé; Deng Xiaoping tornou rico o povo chinês; Xi Jinping fará o povo chinês forte”. Curiosamente, a ascensão chinesa justifica a détente cubano-americana, dado que fecha-se a porta para uma maior influência chinesa em Cuba e, de quebra — ao neutralizar uma parcela da influência de Cuba na América Latina, especialmente, na Venezuela, no Equador e na Bolívia —, reduz-se o potencial de influência chinesa nesses países.
Não há como deixar de considerar a questão conjuntural do petróleo. A Arábia Saudita decidiu aumentar a produção do petróleo, reduzindo expressivamente o preço do barril no mercado mundial — de US$ 110,00 para US$ 60,00. Como uma única tacada, os sauditas impõem severa limitação política, econômica e estratégica ao Irã, na permanente e proverbial tentativa de supremacia no Oriente Médio e, especialmente, na não admitida marcha para a obtenção do poderio nuclear; prejudicam expressivamente a economia da Rússia, pela inequívoca dependência russa da exportação de derivados do petróleo; e dificultam ainda mais a combalida economia da Venezuela. Por outro lado, a trajetória para a total independência energética dos Estados Unidos por intermédio da obtenção de energia oriunda do xisto em substituição ao petróleo é desacelerada, uma vez que os capitalistas americanos reduzirão os investimentos nesse empreendimento em face da redução da relação benefício-custo causada pelos baixos preços do petróleo. Já a China, que tem grande dependência do petróleo do Oriente Médio, é fortalecida pela grande queda dos preços desse insumo crítico do crescimento chinês. Conquanto seja óbvia a identificação de vencidos e vencedores do xadrez do petróleo, no que concerne aos Estados Unidos, do ponto de vista estratégico, há uma faixa cinzenta, cujas consequências são de difícil previsibilidade; não há como ignorar a evolução chinesa. É certo asseverar entretanto que a distensão com Cuba torna-se mais desejável, se impede uma maior atuação chinesa no continente americano.

Enfim, a validação de um regime despótico tem vantagens e desvantagens. Os analistas de plantão estão eufóricos, especialmente, aqueles simpáticos ao regime vigente em Cuba. O presidente Barack Obama cria um factoide universal para compensar a pobreza de sua Administração. Cuba consegue a certificação de seu maior adversário para a ausência de verdade, liberdade, democracia e justiça de seu governo. Os governos sul-americanos  patrocinadores do Foro de São Paulo expressam ambiguidade em seus comunicados: de um lado expressam aprovação para o Governo de Cuba; de outro, perdem uma plataforma de argumentos para seus objetivos políticos, econômicos e de toda ordem — afinal, até Cuba aderiu à superpotência dominante e combatida. Alguns acham que o regime cubano caminhará para uma inevitável abertura. Vale a pena pagar para ver e aguardar.
As alternativas mais prováveis são:
— uma democracia nos moldes ocidentais;
— algo parecido com o regime chinês, onde o nome comunismo prevalece concomitantemente com um inequívoco capitalismo de estado; ou
— algo que prevalece na Rússia — uma propalada democracia no bojo de autocracia, com uma histórica dependência de líder e não de instituições.

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