domingo, 7 de maio de 2017

Revolução Vital


A origem e o futuro da vida estão entre as grandes curiosidades do ser humano. Ademais, criar vida artificialmente está entre as preocupações do homem contemporâneo. Nos livros gêmeos “Criação – a origem da vida” e “Criação – o futuro da vida”, Adam Rutherford analisa e expõe de forma magistral os temas correlatos.
A propósito, o jornal The Observer destaca que a obra se constitui em “um dos livros sobre ciências mais notáveis e genuinamente interessantes da última década” e o semanário Publishers Weekley assevera que “Rutherford dá vida à genética e à biologia sintética nesse panorama acessível sobre o passado e o futuro.”
Inicialmente, no primeiro livro, Rutherford ressalta que todos os seres vivos tem uma origem comum datada de 4 bilhões de anos atrás: a célula LUCA (Last Universal Common Ancestor — Último Ancestral Comum Universal); e também que todas as células vivas tem uma semelhança arquitetônica e funcional que desafia o senso comum, isto é, uma célula humana é tão parecida quanto se possa imaginar com a célula de uma simples bactéria.
O enorme tempo de evolução dos seres vivos se contrapõe ao pequeno tempo de sua compreensão. Rutherford ensina que foi somente entre meados do século XIX e do século XX que surgiram as três grandes ideias da biologia:
— a teoria celular — a partir da primeira observação de uma célula, em 1673, pelo curioso negociante de roupa branca, polidor de lentes e microscopista holandês chamado Antonie van Leuwenhock;
— a teoria darwiniana da evolução por seleção natural — proposta em 1859 pelo genial cientista e navegador aventureiro Charles Darwin, no livro “A Origem das Espécies”, depois de sua extraordinária viagem de pesquisa, partindo da Inglaterra, passando pela Argentina e Chile, ilhas Galápagos, Austrália e retornando para o ponto de partida; e
— a modelagem da estrutura do DNA, em 1953,  por James Watson, Maurice Wilkins e Francis Crick, com os dados tão cuidadosamente pesquisados, por Rosalind Franklin, sem o reconhecimento merecido, talvez por sua condição de pioneira cientista mulher.
Rutherford expõe a teoria de que a vida teria surgido em uma espécie de biorreator natural formado por “chaminés verticais vistas nas arrebatadoras imagens das torres instáveis da Cidade Perdida nas profundezas do maciço Atlantis, a meio caminho entre as ilhas Canárias e as Bermudas.”
Aí existiu um “campo hidrotermal no leito do mar ..., com águas extremamente alcalinas, com calor de até 90º, cheias de vida. ... As chaminés emergem do solo do mar quando as placas da Terra se deslocam e se fendem, revelando nova rocha virgem quente puxada do manto. Uma vez expostas, elas reagem com a água do mar, separando-a em oxigênio e hidrogênio, e grande número de outros gases igualmente repletos de potencial energético, ávidos por reagir. Ao fazê-lo, esses gases infiltram-se através das rochas, perfurando nelas uma estrutura alveolar, à medida que elas se resfriam na água do mar circundante, num processo chamado serpentinização.”
De acordo com o relato de Rutherford, segundo Nick Lane (que simulou com sucesso a serpertinização em um biorreator, em laboratório), Bill Martin, Mike Russell e meia dezena de outros cientistas, “é nessas pequeninas incubadoras [da Cidade Perdida] que os primeiros processos vitais ocorreram.”
Para encaminhar o entendimento do futuro da vida, no segundo livro, Rutherford apresenta a criação em 2010 — depois de mais de dez anos de pesquisa e dispêndio de cerca de US$ 40 milhões — da célula bacteriana Synthia, pela equipe liderada por J. Craig Venter, no âmbito das pesquisas desencadeadas pelo Projeto Genoma. A estrutura dessa célula não foi montada dentro de uma célula-mãe, como ocorrera com todas as células na história, mas num computador.
Um indicador da importância da pioneira Synthia é revelado pela inclusão pela equipe de Venter de mensagens no DNA da célula. Essas mensagens se compunham de quatro partes. A primeira era a versão das 26 letras do alfabeto inglês por intermédio das letras do código genético (os quatro componentes do DNA): A, de Adenina; C, de Citosina; G, de Guanina; e T, de Timina. Assim, para incluir as mensagens foi necessário um processo para codificação do texto e outro para a decodificação. A segunda e a terceira partes compreendiam as dezenas de nomes dos criadores da célula e um endereço da internet. E finalmente a última era um conjunto de três citações relacionadas com a pesquisa. O primeiro texto era “viver, errar, cair, triunfar, recriar a vida a partir da vida”, encontrada no livro “Retrato do artista quando jovem”, de James Joyce. O segundo texto era de J. Robert Oppenheimer, o cientista chefe do Projeto Manhattan e considerado o pai da bomba atômica: “Veja as coisas não como são, mas como poderiam ser.” E o terceiro texto foi a última mensagem que o cientista Richard Feynman deu para seus alunos, no CALTECH (California Institute of Technology), antes de morrer: “O que não posso criar, eu não posso compreender.”
Segundo Rutherford, o passo seguinte na evolução da biologia sintética foi a primeira publicação, em 2012, de um livro inteiro, intitulado “Regenesis”, criptografado digitalmente em DNA, por George Church, da Universidade de Harvard. Com 53 mil palavras, onze imagens e um texto de código de programa computacional, com cerca de cinco megabytes, as informações foram codificadas com um sistema binário: um A ou C representa o algarismo 1, e um T ou G representa o algarismo 0. As palavras são convertidas na forma digital, por intermédio das quatro letras e depois a sequência é sintetizada num computador, em comprimentos de 96 bases, cada um com etiquetas de informação sobre a localização dos segmentos, e assim por diante — o que os programadores chamam de metadados.
         A criação da célula sintética e o processo de armazenamento de dados no DNA — com vantagens sobre as memórias convencionais e sobre artefatos como os discos Blu-Rays, os pen-drives e os discos rígidos de computador — abrem perspectivas para que, em curto ou médio prazo, os chips de silício dos computadores sejam substituídos por chips de DNA. Para encerrar sua obra, Rutherford infere que “agora, pela primeira vez, estamos construindo sistemas vivos criados de uma maneira que reescreve a própria linguagem fornecida pela evolução.” É oportuno aduzir que, passados mais de duzentos anos da Revolução Industrial — ou indo ao paroxismo, depois de 4 bilhões de anos da Revolução Celular (iniciada com a célula LUCA) — ingressamos na alvorada de uma nova era, com perspectivas extraordinárias para as informações e para o conhecimento, e com inexcedível impacto na Informática e na Medicina. Poderíamos denominá-la Revolução Vital.

Nenhum comentário:

Postar um comentário