A propósito, o
jornal The Observer destaca que a
obra se constitui em “um dos livros sobre
ciências mais notáveis e genuinamente interessantes da última década” e o semanário Publishers Weekley assevera que “Rutherford dá vida à genética e à biologia
sintética nesse panorama acessível sobre o passado e o futuro.”
Inicialmente, no
primeiro livro, Rutherford ressalta que todos os seres vivos tem uma origem
comum datada de 4 bilhões de anos atrás: a célula LUCA (Last Universal Common
Ancestor — Último Ancestral Comum Universal); e também que todas as células
vivas tem uma semelhança arquitetônica e funcional que desafia o senso comum,
isto é, uma célula humana é tão parecida quanto se possa imaginar com a célula de
uma simples bactéria.
O enorme tempo
de evolução dos seres vivos se contrapõe ao pequeno tempo de sua compreensão. Rutherford
ensina que foi somente entre meados do século XIX e do século XX que surgiram
as três grandes ideias da biologia:
—
a teoria celular — a partir da primeira observação de uma célula, em 1673, pelo
curioso negociante de roupa branca, polidor de lentes e microscopista holandês
chamado Antonie van Leuwenhock;
—
a teoria darwiniana da evolução por seleção natural — proposta em 1859 pelo genial cientista e navegador aventureiro Charles Darwin, no livro “A Origem das Espécies”, depois de
sua extraordinária viagem de pesquisa, partindo da Inglaterra, passando pela Argentina e Chile, ilhas Galápagos, Austrália e retornando para o ponto de partida; e
—
a modelagem da estrutura do DNA, em 1953, por James Watson, Maurice Wilkins e Francis Crick,
com os dados tão cuidadosamente pesquisados, por Rosalind Franklin, sem o
reconhecimento merecido, talvez por sua condição de pioneira cientista mulher.
Rutherford expõe
a teoria de que a vida teria surgido em uma espécie de biorreator natural formado
por “chaminés verticais vistas nas
arrebatadoras imagens das torres instáveis da Cidade Perdida nas profundezas do
maciço Atlantis, a meio caminho entre as ilhas Canárias e as Bermudas.”
Aí existiu um “campo hidrotermal no leito do mar ..., com
águas extremamente alcalinas, com calor de até 90º, cheias de vida. ... As
chaminés emergem do solo do mar quando as placas da Terra se deslocam e se
fendem, revelando nova rocha virgem quente puxada do manto. Uma vez expostas,
elas reagem com a água do mar, separando-a em oxigênio e hidrogênio, e grande
número de outros gases igualmente repletos de potencial energético, ávidos por
reagir. Ao fazê-lo, esses gases infiltram-se através das rochas, perfurando
nelas uma estrutura alveolar, à medida que elas se resfriam na água do mar
circundante, num processo chamado serpentinização.”
De acordo com o
relato de Rutherford, segundo Nick Lane (que simulou com sucesso a
serpertinização em um biorreator, em laboratório), Bill Martin, Mike Russell e
meia dezena de outros cientistas, “é
nessas pequeninas incubadoras [da Cidade Perdida] que os primeiros processos
vitais ocorreram.”
Para encaminhar
o entendimento do futuro da vida, no segundo livro, Rutherford apresenta a
criação em 2010 — depois de mais de dez anos de pesquisa e dispêndio de cerca
de US$ 40 milhões — da célula bacteriana Synthia, pela equipe liderada por J.
Craig Venter, no âmbito das pesquisas desencadeadas pelo Projeto Genoma. A
estrutura dessa célula não foi montada dentro de uma célula-mãe, como ocorrera com
todas as células na história, mas num computador.
Um indicador da
importância da pioneira Synthia é revelado pela inclusão pela equipe de Venter
de mensagens no DNA da célula. Essas mensagens se compunham de quatro partes. A
primeira era a versão das 26 letras do alfabeto inglês por intermédio das
letras do código genético (os quatro componentes do DNA): A, de Adenina; C, de
Citosina; G, de Guanina; e T, de Timina. Assim, para incluir as mensagens foi
necessário um processo para codificação do texto e outro para a decodificação.
A segunda e a terceira partes compreendiam as dezenas de nomes dos criadores da
célula e um endereço da internet. E finalmente a última era um conjunto de três
citações relacionadas com a pesquisa. O primeiro texto era “viver, errar, cair, triunfar, recriar a vida
a partir da vida”, encontrada no livro “Retrato do artista quando jovem”,
de James Joyce. O segundo texto era de J. Robert Oppenheimer, o cientista chefe
do Projeto Manhattan e considerado o pai da bomba atômica: “Veja as coisas não como são, mas como
poderiam ser.” E o terceiro texto foi a última mensagem que o cientista
Richard Feynman deu para seus alunos, no CALTECH (California Institute of
Technology), antes de morrer: “O que não
posso criar, eu não posso compreender.”
Segundo
Rutherford, o passo seguinte na evolução da biologia sintética foi a primeira
publicação, em 2012, de um livro inteiro, intitulado “Regenesis”,
criptografado digitalmente em DNA, por George Church, da Universidade de
Harvard. Com 53 mil palavras, onze imagens e um texto de código de programa
computacional, com cerca de cinco megabytes, as informações foram codificadas
com um sistema binário: um A ou C representa o algarismo 1, e um T ou G
representa o algarismo 0. As palavras são convertidas na forma digital, por
intermédio das quatro letras e depois a sequência é sintetizada num computador,
em comprimentos de 96 bases, cada um com etiquetas de informação sobre a
localização dos segmentos, e assim por diante — o que os programadores chamam
de metadados.
A criação da célula
sintética e o processo de armazenamento de dados no DNA — com vantagens sobre
as memórias convencionais e sobre artefatos como os discos Blu-Rays, os
pen-drives e os discos rígidos de computador — abrem perspectivas para que, em
curto ou médio prazo, os chips de silício dos computadores sejam substituídos
por chips de DNA. Para encerrar sua obra, Rutherford infere que “agora, pela
primeira vez, estamos construindo sistemas vivos criados de uma maneira que
reescreve a própria linguagem fornecida pela evolução.” É oportuno aduzir que,
passados mais de duzentos anos da Revolução Industrial — ou indo ao paroxismo,
depois de 4 bilhões de anos da Revolução Celular (iniciada com a célula LUCA) —
ingressamos na alvorada de uma nova era, com perspectivas extraordinárias para as
informações e para o conhecimento, e com inexcedível impacto na Informática e na Medicina. Poderíamos denominá-la Revolução Vital.
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