quinta-feira, 10 de maio de 2018

Goodall e a 9a. Sinfonia de Beethoven

[Mensagem divulgada no Fórum de Leitores do  portal do Estadão em 11/05/2018]

Ludwig van Beethoven iniciou a etapa mais fantástica de sua vida como compositor genial “por volta de 1803, depois de ter compreendido a seriedade de sua surdez e ter rejeitado o suicídio para dar ao mundo, como disse, ‘toda a música que sentia dentro de si’”[1]. Passadas duas décadas, já próximo do final de sua vida, ele como que se vingou da doença que tragicamente o acometera, compondo sua 9a. Sinfonia [2], a mais bela música que um ser humano seria ser capaz de ouvir. Não há relato de que ele tenha dito, mas é fácil e razoável inferir o que ele teria pensado: “Já que não posso ouvi-la, componho e deixo-a para os outros ouvirem!”.
Hoje, o cientista australiano David Goodall, de 104 anos, saudável, autor de mais de 30 livros — e expressando a sensação de que a vida não valia mais a pena ser vivida — rodeou-se dos netos e outros  familiares, e mediante vontade prévia e espontaneamente manifestada, teve sua vida encerrada por médicos em uma clínica da Suíça. 
Ele pediu que a ação médica fosse realizada  após almoçar sua refeição favorita e depois de ouvir a 9a. Sinfonia de Beethoven. Assim, foi cumprido seu último desejo: morrer com a dignidade com a qual serviu o ser humano por tanto tempo.
Sua vida exemplar terminou de forma razoável? Por que sua vontade pôde ser concretizada na Suíça e não Austrália? É válido que muitos países proíbam o suicídio em qualquer circunstância? É razoável que alguns países só permitam o suicídio assistido quando a doença é terminal e o sofrimento quase insuportável? É aceitável que pelo menos um país — e somente um — permita o suicídio assistido nas condições de pessoa saudável?
Tudo indica que seu fim inusitado será objeto destas e de outras considerações, contrárias e favoráveis, em todo o mundo nos dias que se seguirão à sua morte.
        É possível supor que o compositor alemão compôs a 9a. Sinfonia na irrefreável busca da serenidade requerida para a partida; e que o cientista australiano desejou ouvi-la para resgatar o sentido da vida antes de deixá-la. Permito-me preferir que ouçamos a 9a. Sinfonia com mais frequência, para viver e celebrar a vida, aí incluída a celebração da vida fecunda e generosa dos dois gênios.

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[1] Música Clássica, John Burrows, Jorge Zahar Editor Ltda, Rio de Janeiro, 2006.

[2]  9a. Sinfonia de Beethoven - 4o. Movimento - 10000 vozes
       [Clique com o mouse, ouça e acompanhe o coro de 10000 pessoas celebrando a vida!]



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